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Aiuruoca - Notícias
13/11/2014 08h17

Personagens que fazem parte da nossa história - Rita Rosa de Souza - Nina

Nina foi uma grande mulher que deixou muitas saudades na cidade de Aiuruoca.

Por Maria Rosa Maciel Almeida

Tínhamos quase a mesma idade e crescemos juntas. Nos encontrávamos constantemente nas Várzeas, a fazenda de nossa avó. Nossos pais eram irmãos e moravam em terras adjacentes à fazenda de nossa avó, já de propósito, para sempre estarem ao seu lado e com seus filhos também. Assim eu e Nina, como éramos do mesmo tronco, já nascemos no mesmo ninho. Era de comover o carinho com que os filhos homens da vovó a cercavam! Eles eram quatro. E com exceção do Tio Cornélio, o caçula que ficou na fazenda com ela, todos outros ficaram morando perto, de modo que pudessem vir sempre à casa da mãe. Ela não gostava de ser chamada de avó, talvez por vaidade. Então, todos, sem discutirem, acataram seu desejo: era a madrinha cota. Ninguém ensinou a um filho que ela fosse avó. As minhas tias eram cinco e todas se casaram com parentes de Cruzília. Certa vez, um de nossos primos tomou-lhe a benção e a chamou de vovó. Ela disse logo: “Deus te abençoe meu filho, mas me chame de madrinha, viu?”.

Eu e Nina conhecíamos de perto aqueles costumes todos e seguíamos à risca. A “Madrinha Cota” vivia cercada de mimos, não só pela família mas também pelos vizinhos da Ponte Alta e Ponte Nova, como do Portão e Pinhal. Nina e eu corríamos aqueles caminhos até o Safado com as crianças de lá. Tanica e Canduca vinham trabalhar e a gente adorava conversar com elas. Quando eu tinha quatro anos, houve o casamento dos dois últimos tios solteiros: Tio Tonho e Tio Cornélio. Houve uma grande festa quando chegaram à Aparecida. É claro que estávamos lá, participando de tudo. O forno, na casinha ao lado da grande cozinha, se encheu de leitões e frangos. Era só alegria. Os primos reunidos. Um dia nascia mais um primo ou prima, outro dia um deles saía para estudar. Cresciam todos e já se dispersavam. Quando eu tinha oito anos e a Nina pouco mais, madrinha cota morreu. A casa nova das Vassouras estava quase pronta. Muita coisa foi mudando. A Helena, irmã mais velha da Nina, foi para o internato no colégio Sta. Edwiges, recém-inaugurado. Logo nós iríamos também. Nossos encontros não eram mais constantes, as visitas dos tios na fazenda das Vassouras já rareavam. Eu e Nina já éramos mocinhas e tínhamos nossas paquerinhas.

Ela foi para o internato primeiro, no começo do ano letivo. Eu, mais tarde, já com as instruções dela sob a vida lá dentro. Sofremos juntas o impacto das separações da família, da vida livre para reclusão entre pessoas desconhecidas. Ainda bem que lá eu tinha a Nina, minha querida prima. Ficaram para trás nossas brincadeiras de pique pelos terreiros das Vassouras, nossos esconderijos nos galhos das jabuticabeiras carregadas de bolinhas pretas que arrebentávamos na boca, concorrendo com os passarinhos... Agora, era o estudo apertado em dois turnos, a disciplina quase militar da educação alemã, com nossas mestres. À noite, no dormitório, era puro silêncio. Uma conversa fora de hora era punida com a restrição da saída no 1o. domingo do mês, com a família. Após as orações da noite, as janelas eram abertas para que entrasse o ar puro. Era então que a solidão se acentuava e se aninhava, até que o sono nos tomasse.

Aquele 2o. semestre de 1941 foi duro. Depois das aulas, depois das nossas obrigações com serviço cumpridas, a gente conversava, brincava de pique e de bola até a hora da sopa ou do lanche. Não me lembro que sentássemos juntas à mesa; era lugar cativo. No fim do ano, o teatrinho eu recitava; Nina ao meu lado. Enfim, as férias; o Bananal para ela, a Chácara para mim. Até o retiro espiritual, em fevereiro, quando nos encontrávamos, prontas para ficar três dias de boca fechada, falando só o necessário. Falando não, mas gesticulando e rindo de nós mesmas, podia não?! Nina e eu fazíamos o retiro nessa base, nos dias do carnaval. O retiro espiritual era, para nós, mais festa do que oração. Mas, mesmo assim, guardo bonitas lembranças dos sermões dos nossos pregadores. Entre eles o padre Dante, um italiano de cabecinha branca, mas que gênio! A gente saía da igreja com alma renovada. Na segunda feira de cinzas, era o fim. Então, era só aquela mistura de alegria e tristeza, pois terminava nossa reclusão e voltávamos para as nossas lidas diárias...

A nossa convivência continuava, crescíamos. As paqueras da Nina vieram primeiro. Já não estudava mais, então. Não demorou as minhas começaram também. Adolescência, mocidade entre o Bananal e a cidade onde nos encontrávamos e repartíamos nossos sonhos com as confidências mais sutis. Construí um lar...e a tempestade o desfez. Nina me amparava, junto com os de minha casa. Minha irmã Julieta foi levada da vida, deixando um filho recém-nascido. Com mamãe, o assumi como meu.

Nina me aparecia, com sua roupa num embrulho: “Vim te ajudar a cuidar do menino à noite” (estava ele passando mal). E a vida foi passando. Ela se casou e mudou-se daqui. Mas depois veio dar à luz sua filha e ficou, na casa de sua mãe. Ali ficou uns tempos com Maria das Graças, que nasceu no hospital. A menina cresceu entre as duas cidades (São José dos Campos e Aiuruoca). Eu também construí um novo lar; meus filhos participavam dos mesmos sonhos de sua filha, crescendo juntos. Nina com os seus familiares (agora somados), ajudando a todos com seu amor. Contava-me do seu dia-a-dia com esposo, filha, irmãos que residiam lá perto dela. Eu lhe falava dos meus, das nossas vidas de irmãs, primas e avós agora. E a vida correndo, roubando-nos as forças das pernas mas nos deixando ainda a acalentar sonhos e lembranças. Nina, sempre bela, me aparecendo como estrela a iluminar meus momentos. Inesperadamente. Trazendo-me notícias das netas Julia e Laila, e recolhendo as de Giovani, o filho da Julieta que ela me ajudou a cuidar; de Luciana e Evandro, os meus; da minha neta Sophia, do meu neto (Giovani) filho do outro Giovani. Nina e eu, ainda, como outrora, ligadas por um profundo afeto. Tecendo saudades...Como nosso sabiá do matinho: “te já, beija flor, te já... te já...”

 

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