por Gilberto Nable
Recebi, esses dias, pelo Facebook, solicitação para escrever texto para o nosso jornal falando de Maria Nilse Senador. Impossível não misturar na tinta de escrever a tinta do meu afeto. Compromete-se o perfil pelo tanto que a amei e pelas doces lembranças que tenho dela. Claro que, como todo mundo, ela teve seus defeitos, não apenas virtudes. Seria falso desconhecer isso. Mas o texto visa enaltecê-la nos seus inúmeros aspectos positivos, como pessoa e cidadã aiuruocana, e fico mais à vontade.
Não é minha intenção fazer uma biografia, datando os fatos. Pretendo apenas falar do que ela representou para mim, em quase cinquenta anos de convivência. Um relato, emocionado, de um de seus filhos. Comprometido, é claro, mas o único possível. Ninguém fala da própria mãe sem que lhe coce o umbigo, cicatriz perpétua do cordão que nos unia, nos alimentava e nos mantinha vivos.
As primeiras lembranças são fragmentadas, mas lembro-me com nitidez de umas aulas que improvisou para os filhos, com quadro-negro e giz. Eu teria uns cinco anos. E essa lembrança toca num de seus dons fundamentais: ser professora. Aliás, foi minha mestra no quarto ano do grupo escolar. Para meu infortúnio. Alguns colegas ficaram incomodados com minhas notas boas, deduzindo que ela me passava as provas. Ela nunca o fez, jamais, tendo permanecido imparcial. Talvez eu tenha sido um dos primeiros casos de “bullying” de Aiuruoca, com tudo que isso possa representar de injustiça e violência psicológica. Mas passou quando entrei para o Ginásio.
Se existe mesmo um perfil que nos encaminha para a profissão o caso de minha mãe pode servir como exemplo. Nasceu professora. Sempre foi, até sua aposentadoria. E, de certa forma, mesmo depois. Com o tempo foi diretora do Grupo Escolar Conselheiro Fidélis e do Ginásio João XXIII. Dedicação total. Ela dormia e acordava todos os dias com a agenda desses educandários, nem direi na cabeça, mas na alma. Duas de suas características marcantes: honestidade e perseverança. Nunca a vi desanimar, mesmo nas situações difíceis. Amava o que fazia. E isso explica muita coisa, pois só amar o que fazemos pode justificar uma carreira. Quando assim não acontece tropeçamos em seres infelizes, cujo destino obrigou a ser um médico emburrado e que trata mal o doente, ou um professor que não consegue ensinar, tortura os alunos com as notas baixas, com toda a sutileza de um verdadeiro sádico. Vira o professor “exigente”, das espinhosas explicações, onde todos são burros, menos ele. Ninguém aprende goela abaixo. Aprender é igual comer: o ensinamento deve ter cheiro bom, aspecto saudável, ambiente prazeroso. Deve ser um prazer e um deleite. Eu fui aluno de minha mãe, ainda que num período adverso, mas sei o que estou dizendo.
Outra de suas grandes paixões foi a política. Engraçado, porque numa família de políticos (o pai e dois irmãos foram prefeitos de Aiuruoca) quem me parece ter herdado as virtudes mais imprescindíveis (diplomacia, tolerância, paciência e oportunidade) do vovô Felipe seja ela. Para dentro da família alguns a chamavam de Felipa, o vovô Felipe de saias. Creio que essa interpretação seja verdadeira. Paixão mesmo. Ela que sempre fora uma mãe extremada, que dava uma importância vital à ideia e materialidade de família, podia até esquecer os filhos. Esquecer os filhos....... quando atrapalhávamos. Ora, há muito havia transferido meu título de eleitor para Belo Horizonte, cansado de votar “no cabresto”, eu que sempre tive pensamento político próprio. Esse negócio de lado de lá e lado de cá, nunca me interessou. “Votou em quem? No lado de lá ou no lado de cá?” “Fulano virou.” “Sicrano desvirou”. Votos com preço e código em barra, fofocas maldosas, o jogo difícil da política do interior, em qualquer cidade pequena. Algo a que Freud se referiu como “narcisismo das pequenas diferenças”.
Continua no
próximo caderno
de Aiuruoca