Capa do Livro Dr. Monat
Por Paulo Paranhos*
A obra do Dr. Henrique Alexandre Monat, denominada Caxambu, escrita em sua passagem por Caxambu, entre 1892 e 1894, é uma obra prima que completa 120 anos de existência, permanecendo como livro de consulta indispensável para aqueles que querem travar conhecimento com os primeiros tempos da então denominada Freguesia das Águas Virtuosas de Nossa Senhora dos Remédios de Caxambu. Escrita numa linguagem extremamente agradável e sensível, a obra do Dr. Monat vem, ao longo dos anos, despertando nos apaixonados pela história de Caxambu as mais diversas interpretações sobre as primeiras passagens, não só das águas minerais que aqui foram descobertas por volta de 1814, como também dos costumes, das festas religiosas e profanas, da gente do local e da formação hoteleira que atraiu, durante anos, os chamados “aquáticos” para as estações de águas e, principalmente, para a atração maior que se despertava na época: o jogo.
Henrique Alexandre Monat nasceu em Salvador no dia 6 de junho de 1855, filho de Henri Honoré Monat e de Flávia de Borja Castro Monat. Em Paris, no Liceu Bonaparte, fez estudos desde a primeira infância e bacharelou-se em Letras. Retornando ao Brasil, iniciou os estudos médicos na Bahia, passando um tempo no Rio de Janeiro mas colando grau em 1879 em Salvador. Mudando-se com ânimo definitivo para a cidade do Rio de Janeiro, começou o exercício da profissão como preparador de Anatomia Descritiva da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A par de sua profissão, também fez concurso para a cadeira de Língua Francesa do Colégio Pedro II, nomeado para essa titularidade em 10 de abril de 1900. Em 14 de fevereiro de 1886 foi um dos fundadores da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Monat também foi um prestigiado membro da Academia Nacional de Medicina. Casou-se com D. Maria del Carmen Nolle Torre Monat.
Num primeiro momento da obra, o Dr. Monat (em foto gentilmente cedida ao autor pela Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro) discorre sobre a viagem para Caxambu, vindo de trem numa verdadeira aventura que foi contada com detalhes que chegam às raias da comicidade, não fosse ele um homem extremamente sério e compenetrado em suas ações. Só para citar uma passagem, quando chegavam à estação de Caxambu os passageiros eram recebidos com vaias e gritos de “urso!”, tal a imagem com que desciam do trem, cobertos de pó e de suor, olhos injetados, roupas exalando cheiro de pano queimado, o rosto tostado pelo sol.
Adiante, fala sobre as diversões do povoado, geralmente encontradas nos hotéis e com grande afluência de público. Dá um panorama do parque das águas, merecendo dele severas observações quanto aos cuidados que o mesmo merecia, uma vez que, apesar de agradáveis passeios pelo bosque, não raro encontrar-se o abandono na vegetação e o mal cuidado que se tem com as árvores, principalmente as nativas, que eram constantemente feridas pelos machados da empresa de engarrafamento da água mineral. Anotou o descaso para com o ribeirão Bengo que, graças ao calor e à umidade, tinha grande fermentação das matérias orgânicas atiradas a esmo no seu leito.
Falando sobre o jogo, o Dr. Monat anotou que muita gente fechava seus negócios para pôr o dinheiro na roleta! A sorte que procuravam como uma vida fácil, no entanto, nem sempre lhes sorria. No início, as roletas eram camufladas atrás dos bilhares, pois eram proibidas pelas autoridades do distrito. E, observador, deu-nos um panorama da esperteza que corria solta naqueles antros de jogatina: os tipos eram muitos e variados, e uma especial definição do banqueiro do jogo: era quase sempre um senhor de aspecto grave, muito atencioso, de boas maneiras, um verdadeiro cavalheiro, pronto a explicar aos inexperientes os segredos e as probabilidades de se ganhar na roleta! Contudo, apesar da proibição da roleta, outras apostas eram concorridas: o sete e meio, o lansquenet, o chemin de fer, ou seja, jogos de baralho que tinham um público fiel nos quartos dos hotéis, fugindo dos olhares das autoridades distritais!
Não faltaram observações críticas com relação ao dia a dia da freguesia: não existia rua nivelada e depois de uma chuva forte as mesmas ficavam intransitáveis, encontrando-se buracos em todas elas, local propício para despejo de detritos de toda sorte, lixo, imundícies tiradas dos quintais e todo esse material era calcado pelos carros de boi, a não ser que as chuvas o arrastasse e espalhasse pelas vias. Era enfático, dizendo não exagerar quando falava do aspecto das ruas que, segundo ele, era tristíssimo. Eram, além do que já se relatou, aladeiradas, sem calçamento e nunca varridas. Caso chovesse, era lama para todo lado e quando o sol reaparecia, iniciava-se um processo de intensa fermentação das matérias orgânicas que eram jogadas às ruas. É de se imaginar o cheio nauseabundo que provocavam.
Não havia iluminação pública, excetuando-se à frente dos bilhares e os moradores eram obrigados, à noite, a andar com lanternas, sob o risco de caírem em um dos muitos buracos existentes nas ruas.
Monat enumerou-nos os hotéis existentes no povoado, dizendo ter cerca de dez e mais ou menos umas trinta casas mobiliadas. Anotou que os principais eram o da Empresa, o Caxambu, o Silva, o Correia Nunes, o Paulista, o Lima, o Ferreira e o Internacional. Segundo ele, todos ocupando prédios acanhados, com exceção para o da Empresa e o Caxambu, em casarões que, apesar de construídos de pouco tempo, pareciam muito velhos, dado o desmazelo para com os mesmos.
O Dr. Monat reserva um número considerável de páginas em sua obra para discorrer sobre as fontes existentes no parque, anotando que por volta de 1873 os chalés eram toscos e as águas eram conduzidas até a superfície através de tubos de ferro ou por canais feitos por tijolos, cujas aberturas ficavam abaixo do nível do solo, de modo que, nas ocasiões das grandes chuvas, as águas das enxurradas inundavam os tubos de descarga e misturavam-se às águas que brotavam das fontes, inutilizando-as durante vários dias. Por ocasião de sua estada em Caxambu, os chalés haviam sido reconstruídos, protegendo melhor as fontes, conforme se demonstra com fotos retiradas de sua obra
Não restam dúvidas de que o Dr. Henrique Monat foi o grande predecessor daqueles que escreveram sobre Caxambu, ou melhor, aquele que efetivamente travou um conhecimento mais aprofundado sobre a cidade, sua gente, seus costumes e, principalmente, as propriedades curativas das águas minerais; essas anotações serviram como pilares para outros estudiosos que também deram a sua contribuição literária sobre esta belíssima cidade. Escrevendo com simplicidade, sem grandes rebuscamentos literários, forneceu-nos páginas memoráveis sobre o panorama da então Vila de Nossa Senhora dos Remédios e, testemunha ocular, da sua elevação à categoria de município no ano de 1901.
Independente de toda crítica, o Dr. Monat disse que as águas preciosas corrigirão todas as lacunas, todos os defeitos e os turistas serão compensados pelos benefícios que lhes proporcionarão o clima delicioso e as fontes maravilhosas e que esconde este brilhante ainda não lapidado, adiantando-se em duas décadas aquilo que Rui Barbosa vaticinara quando de sua estadia em 1919.
O Dr. Monat faleceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 3 de fevereiro de 1903.
Em Caxambu, a municipalidade homenageou-o com o nome de importante via no bairro do Belvedere e, no Rio de Janeiro, o Dr. Monat é nome de um Posto de Saúde do bairro da Vila Kennedy, na zona oeste da cidade.
*Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Dr.Monat | O Hotel da Empresa (local onde hoje |
se localiza o Supermercado Carrossel) | |
Viotti | Duque de Saxe |
D. Isabel | Conde D’Eu |
D. Pedro | D. Leopoldina |