Pelos filhos
Sandro, Orlando
e Fátima Alves
Joaquim Alves Filho nasceu em Cruzília, no dia 25 de janeiro de 1922 e faleceu em sua terra natal, com 67 anos, no dia 15 de agosto de 1989. Filho da telefonista Maria da Conceição Alves (Sá Marica) e de Joaquim Zeferino Alves, era o caçula de uma família de sete irmãos.
Aprendeu, desde cedo, com o Sr, José Henrique, a profissão de sapateiro. Soube enfrentar como poucos a dureza da vida e, como muitos, a incerteza do amanhã. Incerteza que vinha do seu humilde ofício de sapateiro-artesão.
Enviuvou aos 44 anos. Com a morte da esposa Teresa, com 36 anos, deparou-se com nove crianças para criar e educar: Clara, Margarida, Fátima, Dimas, Sonia, Paulo Roberto, Joaquim Orlando, Alarcon e Sandro Mateus. Foi pai e mãe ao mesmo tempo. Dedicou-lhes um amor que não conheceu acaso, que transcendeu os limites da normalidade. Recebeu propostas de diversas pessoas que queriam adotar os pequenos órfãos e sua resposta foi sempre “não”. Deixou para todos uma grande lição: “Filho não é para dar, filho é pra gente amar!” Com a ajuda da providência divina, repartiu com seus nove descendentes as dificuldades, somou com os mesmos a esperança e multiplicou para eles o seu amor.
Grande desportista a vida toda, ardoroso torcedor do Flamengo do Rio de Janeiro e do 7 de Setembro, em Cruzília. Torcedor assíduo do Verdão, sempre foi uma figura marcante nas arquibancadas do 7, torcendo pela equipe e pelos filhos atletas. Frequentou pouco a escola. Não teve instrução esmerada, porém tinha sabedoria. Curioso, adorava ler e passar para os familiares sua preciosa cultura. Foi o grande incentivador dos filhos para o estudo, para a aprendizagem, para o crescimento na vida (espiritual e material), para abraçar a honestidade, a honra, a dignidade e o trabalho. E para cada degrau que o filho alcançava abria um largo sorriso no rosto. Fez questão de ir a BH, em 1973, acompanhar a filha Fátima ( juntamente com o Prefeito José Maciel e Pe. Arantes, Diretor da Escola São Sebastião), na recepção do prêmio de âmbito estadual – Monografia da vida e obra de Alberto Santos Dumont. Fez questão que a passagem de avião pela VASP fosse expedida em nome dele, como acompanhante da filha na viagem até Manaus. Pai Zote foi presença – mil vezes presente - em nossas vidas. (Texto da filha Fátima – 09/12/2000)
Que bom seria, meu pai, se pudesse enxugar agora o seu suor, sua testa molhada. Suor que tantas vezes pingou no avental sujo de tinta, de cola e de graxa, suor derramado por nove motivos adorados. Suor que teve de se multiplicar para suprir a falta de nossa mãe também.
Que bom seria, meu pai, se pudesse afagar agora essas mãos calosas, mãos cansadas de tirar os espinhos que estavam estendidos para nós nesta longa esteira que é a vida. Mãos que deram forma ao cabo do martelo, arrancando o pão com o corte de sua faca e dando o brilho de nossas vidas com a escova de engraxar. Mãos que deram forma a muitos sapatos, costurando, remendando, tecendo, pregando e enchendo os nossos pratos, preenchendo em nós o orgulho de hoje poder dizer: sou filho do Zote! Do Zote sapateiro! ( Texto do filho Sandro Mateus – 03/02/2003)
Zote, meu pai, entre muitas outras coisas, me presenteou com o seu nome. E até que Deus me convoque e a terra reclame e reivindique meu corpo, honrarei este nome e o carregarei como um troféu.
Ainda com filhos pequenos e mirrados perdeu sua esposa. Ela que era sua Tutora, seu Tronco, seu Timão, seu Tempero, seu Tesouro, sua Teresa, seu Tudo. Mesmo com a perda irreparável, sabia que não podia se entregar. Sendo assim, atirou-se ao trabalho de maneira obstinada, como raiz que suga o seio da terra, para dar vida e saúde para seus nove filhos, nove frutos cuja florescência e amadurecimento estavam condicionados a sua abnegação.
Ele me ensinou a dar os primeiros dribles nos gramados do 7 e acompanhou, apaixonadamente, a minha trajetória de jogador setembrino e tingiu de rubro-negro o coração de cada membro familiar.
Zote foi nosso chão, nosso abrigo, nosso amparo, nossa proteção, nosso refúgio e o porto seguro das nove testemunhas de sua entrega para a família. Na sua humilde profissão, vivia remendando nossas vidas e engraxando constantemente nossas esperanças. Ainda hoje sinto impregnado na minha saudade o odor perene de seu avental, da graxa, da tinta, da cola, do couro, da sola e a lembrança dos pregos, do martelo, do alicate, de pé de ferro, materiais de peso que calçaram e enfeitaram os pés do povo de Cruzília e alimentaram a sua prole.
Numa tarde de muita tristeza, o pai Zote também nos faltou. Seu coração se calou. O grande silêncio que havia levado nossa mãe também o envolveu. Ficamos órfãos de pai e mãe...grande perda que a vida nos impusera. Extremamente doloroso saber que não mais teríamos suas asas e a sombra paterna para nos abrigar.
Seu exemplo está sendo passado para todos que o cercaram. Especialmente para os nove admiradores de sua doutrina e nós assim ensinaremos a nossos filhos, que ensinarão seu exemplo aos netos. E os ensinamentos do patriarca jamais irão perecer.
De todos os nove, nove espelhos orgulhosos de tê-lo como pai, talvez seja eu o menos apto e o menos digno de amarrar, engraxar, escovar e lustrar suas sandálias.
(Texto do filho Joaquim Orlando – 31/08/2012)