02/08/2022 16h50
Decisões da Justiça mantêm dúvidas sobre SAF responder por ações trabalhistas
Decisões recentes da Justiça têm embaralhado o entendimento sobre a inclusão das Sociedades Anônimas do Futebol para responder a dÃvidas cÃveis e trabalhistas dos clubes, contraÃdas antes da mudança para empresa. Entendimentos distintos de juÃzes configuram um clima de insegurança jurÃdica. O problema não é novo. Ele foi apontado desde a aprovação do texto final da Lei da SAF.
Enquanto o tema central dos debates de torcedores e programas esportivos envolvendo os clubes-empresa se debruça sobre os investimentos em jogadores e a possÃvel profissionalização das agremiações, a dúvida quanto à s dÃvidas trabalhistas persiste e promete continuar afetando o cotidiano dos clubes que viraram SAF.
A Lei da SAF criou um mecanismo que facilita a quitação dos passivos. O texto diz que 20% da receita do clube-empresa e 50% dos lucros e dividendos, caso tenha, devem ser destinados ao clube (associação) para pagar as dÃvidas. O Regime Centralizado de Execuções (RCE) se mostrou um dos atrativos aos clubes que quiseram virar SAF. Ele possibilita o fim de bloqueios e execuções, tão comuns em clubes brasileiros endividados, dando um respiro no caixa. O RCE reúne as dÃvidas e forma uma fila de credores. Com isso, a SAF precisa pagar 60% do seu passivo cÃvel e trabalhista no prazo previsto de seis anos e, caso cumpra a meta, há uma prorrogação de mais quatro anos para o pagamento restante.
Muitos advogados das SAFs adotam a linha de argumentação de que elas são uma personalidade jurÃdica diferente e, por isso, não deveriam responder nesses casos e que há previsão de pagamento de dÃvidas, mas dentro do Regime Centralizado de Execuções. Do outro lado, advogados de ex-funcionários argumentam que há uma sucessão de empregador (clube para empresa), o que manteria a SAF respondendo à s ações, e de que o clube ainda mantém porcentagem da SAF, ou seja, faz parte do mesmo grupo econômico.
O advogado Higor Maffei Bellini, que defende ex-funcionários de clubes em ações trabalhistas na Justiça para incluir as SAFs como responsáveis nestes processos, diz que as obrigações trabalhistas continuam com a CLT e a Lei Pelé, enquanto a Lei da SAF só pode versar sobre a mudança de clube para empresa.
"É um momento nebuloso. A lei da SAF não pode passar por cima da CLT e da Lei Pelé. Ela reconhece que a dÃvida pode ser paga com os lucros que vêm da SAF, mas ela se esquece que o clube segue como sócio da SAF", avalia Bellini.
"A Lei da SAF queria criar mecanismo apartado da CLT e do Código Civil, mas é impossÃvel fazer isso. Deixaram de considerar que o clube (associação) fica como sócio. Por exemplo, Cruzeiro e Botafogo têm 10% cada das ações da SAF. Entendo que é um grupo econômico porque ainda tem uma participação acionária. E a CLT é clara, a sucessão empresarial não afeta direitos trabalhistas. A insegurança veio quando a Lei da SAF ignorou esses pontos".
Advogado responsável pela SAF do Botafogo, André Chame, participou de audiências públicas da formulação da lei e descarta a visão de que há insegurança jurÃdica sobre o tema. "O que temos bem claro é que existe uma responsabilidade solidária da dÃvida, mas há mecanismos para que a SAF não seja afetada por cobranças. No caso do Regime de Centralização de Execuções, que muitos clubes optaram, a SAF não pode ser incomodada pelas dÃvidas desde que siga o que está previsto em lei. A SAF tem a responsabilidade, mas não pode ser cobrada se estiver cumprindo com suas obrigações".
O artigo 23 da Lei da SAF diz que "Enquanto o clube ou pessoa jurÃdica original cumprir os pagamentos previstos nesta Seção, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou à s receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas".
"Chegaram esses 10 anos e ainda falta um saldo a pagar? Aà existe essa responsabilidade. Isso vai depender muito de cada clube, ver quanto cada SAF vai faturar e o tamanho da dÃvida de cada uma. A conta precisa fechar", diz Chame. "Cada lei nova há um perÃodo de amadurecimento nos tribunais, vão se consolidando entendimentos. Com bloqueio de caixa o tempo todo, não daria para pagar as dÃvidas", defende.
Já Bellini entende que as brigas na Justiça devem se arrastar. "Isso só vai ter pacificação quando daqui a uns anos o Tribunal Superior do Trabalho começar a julgar essas ações. Não adianta o tribunal de Minas falar uma coisa e o do Rio falar outra. O TST é quem vai uniformizar o entendimento da Justiça do Trabalho e isso demora".
No fim de julho, o Cruzeiro desistiu de aderir ao Regime Centralizado de Execuções após dar entrada no processo de recuperação judicial. A lista de credores do clube mineiro, comandado por Ronaldo Fenômeno, tem quase 800 nomes, além de empresas, e inclui o ex-atacante Fred e o goleiro e Ãdolo Fábio. Somados, o total da dÃvida supera a marca de R$ 500 milhões.
Fonte: Estadão Conteúdo