02/02/2016 19h27
MPF rebate Neymar e detalha denúncias contra o jogador e seu pai
Horas depois de Neymar publicar em seu site um texto intitulado "Quatro perguntas ao procurador Thiago Lacerda", o Ministério Público Federal em Santos (MPF-SP) decidiu detalhar a denúncia protocolada no último dia 27 na Justiça Federal e que já havia sido revelada no fim de semana pela revista Veja. O craque e seu pai, também chamado Neymar, são acusados de sonegação tributária e falsidade ideológica.
O longo texto publicado no site do MPF não cita o procurador Thiago Lacerda e também não entra no mérito, explorado pelo comunicado emitido mais cedo pelo jogador, de que o Santos foi quem solicitou a abertura da empresa NR Sports para poder fazer pagamentos ao atleta.
O MPF, entretanto, procura detalhar como o jogador e seu pai aproveitaram-se da criação de empresas do que o MPF chama de "Grupo Neymar" para receber pagamentos relativos a direitos de imagem, salário e outros rendimentos. Ao receber por meio de empresas, Neymar pagou impostos menores do que os que deveria à Receita Federal como pessoa fÃsica.
A denúncia do MPF, entretanto, vai muito além dos pontos levantados mais cedo por Neymar, alegando que o jogador, seu pai, e dois presidentes do Barcelona (Sandro Rosell e Josep Bartomeu) "forjaram uma série de documentos entre 2006 e 2013 com o intuito de suprimir impostos devidos à Receita Federal do Brasil".
De acordo com o MPF, "os esquemas arquitetados envolveram três empresas ligadas à famÃlia do atacante", que "não possuÃam capital social nem capacidade operacional condizentes com a movimentação financeira realizada".
Ainda de acordo com a denúncia, "as fraudes foram praticadas em contratos relacionados ao uso do direito de imagem de Neymar enquanto atuava pelo Santos, a partir de 2006, e durante o processo de transferência do jogador ao Barcelona, cujas negociações tiveram inÃcio em 2011".
"A conduta de Neymar, com a participação dos demais denunciados, gerou prejuÃzos milionários aos cofres públicos", destaca o site do MPF, que lembra que, em setembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região bloqueou R$ 188,8 milhões do jogador, do pai e das empresas da famÃlia.
Rebatendo a nota publicada mais cedo por Neymar, o MPF diz que ele e seu pai "puderam, por meio de advogados, ter acesso a documentos e se manifestar". "Atendendo a pedido da defesa, o MPF chegou a ouvir o pai do jogador no curso do inquérito", lembra o MPF.
CONFIRA O TEXTO PUBLICADO PELO MPF DETALHANDO A DENÚNCIA CONTRA NEYMAR:
"Entre 2006 e 2013, o pai do atleta foi o principal mentor e articulador de uma série de fraudes contratuais para o uso do direito de imagem de Neymar, sobretudo por meio da Neymar Sport e Marketing. Diversos contratos foram firmados no perÃodo com empresas, o Santos Futebol Clube e o Barcelona para a realização de trabalhos publicitários e a exploração da imagem do atacante em atividades de promoção das agremiações esportivas. Os serviços eram prestados unicamente por Neymar, mas os recursos eram pagos à firma controlada por seu pai como forma de diminuir a base de cálculo de tributos e, assim, reduzir a parcela devida à Receita Federal.
A sonegação envolvia mais de 55% dos valores a serem pagos em tributos. A diferença se deve à forma de cálculo das alÃquotas que incidem sobre contribuintes fÃsicos e jurÃdicos. Consideradas as altas quantias das transações, Neymar seria obrigado ao pagamento de 27,5% dos valores desses contratos a tÃtulo de Imposto de Renda sobre Pessoa FÃsica (IRPF). No entanto, o uso de uma pessoa jurÃdica para o recebimento das cifras referentes a serviços prestados no Brasil reduziu a fatia para 12,53%. Em acordos com empresas no exterior, o desfalque passou de 67%, uma vez que a parcela de impostos sobre os rendimentos de empresas auferidos fora do paÃs chega a apenas 8,88%.
As investigações apontaram irregularidades na própria constituição da Neymar Sport e Marketing. A empresa foi fundada em abril de 2006, com capital social de somente R$ 5 mil e um único ativo: o uso da imagem de um jogador profissional de futebol. Ainda que sem estrutura suficiente para isso, a firma dedicava-se exclusivamente ao gerenciamento de contratos publicitários e de marketing, trabalhos realizados individualmente por Neymar.
"A prestação de serviços está vinculada ao desempenho personalÃssimo do atleta, e a abertura da sociedade teve como único objetivo a redução da carga tributária incidente sobre os rendimentos auferidos pelo atleta, já que a empresa não possui atividade econômica", escreveu o procurador da República Thiago Lacerda Nobre, autor da denúncia. "Todas as 'suas receitas' são provenientes dos serviços prestados pelo atleta, e a pequena estrutura operacional da empresa não foi utilizada na prestação de serviços."
Publicidade - Para viabilizar a assinatura de parte dos acordos, o pai de Neymar foi responsável também pela simulação de um contrato de cessão de imagem do atacante à Neymar Sport e Marketing em 2009. O documento nunca foi registrado em cartório e traz apenas uma cláusula, segundo a qual o jogador transferia à empresa todo e qualquer "direito de sua imagem" até o fim de 2020. Além de esse direito ser inalienável (somente o uso do direito pode ser concedido), chamou a atenção dos investigadores o fato de não haver no pacto nenhuma menção a valores, como se a cessão tivesse ocorrido de graça.
Coincidentemente, o contrato de cessão foi assinado no mesmo dia em que o atleta firmou acordo com a Nike European Operations Netherlands, o primeiro grande contrato de publicidade de sua carreira. "É claro que Neymar Júnior não cederia esses direitos a terceiras pessoas com quem não tivesse qualquer vÃnculo. Só agiu dessa forma por se tratar a concessionária de uma pessoa jurÃdica familiar e, com isso, reduziu a tributação incidente sobre os rendimentos auferidos", destacou Nobre.
A partir de então, o atleta prestou serviços de publicidade a diversas companhias com a participação da Neymar Sport e Marketing. Em alguns deles, os pactos foram assinados diretamente pelo atacante, com pagamentos realizados à empresa. Em outros, a signatária era a própria firma, juntamente com o jogador. Pelo menos 15 contratos publicitários foram fechados entre 2009 e 2013 segundo esses procedimentos, todos com o intuito de se sonegar imposto.
Santos - O contrato de cessão de imagem foi utilizado também para justificar a participação da Neymar Sport e Marketing na assinatura dos contratos de uso de imagem do atacante com o Santos entre 2006 e 2013. No entanto, dos oito acordos cumpridos ao longo do perÃodo, dois foram firmados antes de pai e filho simularem a cessão do direito de imagem de Neymar à empresa, um dos quais é anterior ainda à emissão do registro da companhia familiar.
"Como poderia constar o CNPJ da Neymar Sport num contrato celebrado com o Santos Futebol Clube no dia 10 de maio de 2006 se o CNPJ da referida empresa somente foi expedido no dia 22 de maio de 2006?", questiona o procurador. "A resposta só pode ser uma: o contrato foi antedatado, ou seja, a data colocada no contrato é anterior à sua confecção. Trata-se, pois, de documento ideologicamente falso", conclui.
As quantias por direito de imagem, na verdade, consistiam em verbas salariais, já que eram pagas parceladamente e sem correspondência com contratos publicitários eventualmente prospectados pelo Santos. Nos oito anos de permanência de Neymar na Vila Belmiro, o jogador recebeu, a tÃtulo de salário, valor quase cinco vezes inferior ao montante referente ao uso de sua imagem. O retorno em verbas publicitárias ao clube, por sua vez, foi de apenas um décimo daquilo que declaradamente pagou ao atleta como compensação à exploração comercial.
Transferência - Fraudes semelhantes foram adotadas no processo de transferência de Neymar para o Barcelona. De acordo com as investigações, o jogador e o pai, além do presidente do clube à época, Alexandre Rosell Feliu, e seu vice, Josep Maria Bartomeu Floresta, forjaram, a partir de novembro de 2011, uma série de documentos para simular a regularidade de um acordo secreto que a famÃlia do atacante e os dirigentes já haviam fechado meses antes. Novamente, as manobras permitiram a sonegação de parcela expressiva dos impostos devidos ao Fisco.
Os denunciados utilizaram outra empresa sob controle do pai de Neymar, a N&N Consultoria Esportiva e Empresarial, para concretizar a transação. Segundo o acordo que garantia a futura cessão dos direitos federativos e econômicos do atleta ao Barcelona, datado de 15 de novembro de 2011, o clube concederia imediatamente à firma um empréstimo de € 10 milhões. Outros € 30 milhões seriam pagos em setembro de 2014, quando Neymar assinasse contrato com a agremiação.
No entanto, as investigações demonstraram que o alegado empréstimo dissimulava o pagamento adiantado de uma parcela para assegurar a preferência na futura contratação do jogador. A N&N Consultoria foi constituÃda oficialmente em 18 de outubro de 2011 com capital social zero e sem estrutura de funcionamento. Apesar disso, o Barcelona não exigiu garantias para emprestar o dinheiro nem estabeleceu a cobrança de juros sobre o montante, solicitando apenas a devolução dos € 10 milhões no dia em que o contrato de trabalho do atleta fosse assinado.
A identificação da cifra como empréstimo permitiu que Neymar e seu pai deixassem de pagar na época os impostos sobre o valor transferido. Outros contratos igualmente simulados certificavam que a quantia remanescente a ser creditada também teria tributação reduzida. Ao delegarem à N&N Consultoria o direito de conduzir as negociações sobre a transferência do atacante a clubes europeus, esses pactos forjados atribuÃam à empresa todos os encargos fiscais que caberiam a ele, pessoa fÃsica, saldar, tal como já acontecia em contratos com a Neymar Sport e Marketing.
Em 2014, ao longo do procedimento investigativo do Fisco, a N&N Consultoria impetrou um mandado de segurança contra a Receita Federal para não ter de apresentar o original do contrato firmado com Neymar em 27 de outubro de 2011, conforme exigido pelo órgão. Porém, a Justiça Federal indeferiu o pedido, pois o acordo já estava encerrado na época da requisição da Receita e, assim, a entrega do documento não representava riscos à atividade da empresa.
"De todo modo, chamou atenção que o distrato tenha sido posterior em poucos dias ao inÃcio da ação fiscal da Receita, em março de 2014, o que reforça a necessidade de que se apure existência de qualquer elemento de ludÃbrio fiscal na transferência do atleta Neymar da Silva Santos Junior para o futebol espanhol", já alertava a Justiça Federal em decisão proferida em novembro de 2014.
Barcelona - A antecipação da transferência de Neymar para 2013 possibilitou que a transação fraudulenta fosse concluÃda, pois o contrato simulado entre as partes previa o pagamento de "indenização" de € 40 milhões caso o prazo inicial fosse desrespeitado. Assim, alegando o cumprimento da sanção, o Barcelona amortizou o empréstimo de € 10 milhões e depositou, em duas parcelas, os € 30 milhões restantes na conta da N&N Consultoria.
A sonegação de impostos teve continuidade com outros pactos firmados entre Neymar, seu pai e o clube catalão. No mesmo dia em que o jogador assinou o termo de trabalho com o Barcelona (3 de junho de 2013), as partes celebraram mais dois contratos: o de gestão e representação e o de imagem. No mês seguinte, o contrato de arrendamento de serviços profissionais (scouting) completou a estrutura burocrática arquitetada pelos denunciados para a consecução dos crimes.
O contrato de gestão e representação reserva à N&N Consultoria 5% dos rendimentos pagos pelo Barcelona ao atacante. O porcentual corresponderia a serviços prestados por seu agente (pai de Neymar) não só nos trâmites contratuais da transferência, mas também no acompanhamento da carreira do jogador na agremiação. Porém, a Receita Federal não identificou pagamentos referentes a "gestão e representação" nos balanços da empresa, o que comprova a falsidade do acordo.
Já o contrato de imagem foi assinado com a participação de outra empresa familiar, a N&N Administração de Bens. A firma foi constituÃda à s vésperas da contratação do jogador para garantir que sobre as futuras cifras milionárias advindas da exploração publicitária pudessem incidir alÃquotas igualmente reduzidas de tributos, como nos acordos anteriores.
Caberia à Neymar Sport e Marketing, enquanto gerenciadora dos "direitos de imagem" do atleta, a participação nesse acerto. De fato, a empresa e o clube já haviam fechado um outro acordo (também simulado) relativo a publicidade, denominado "contrato de agência", pelo qual o valor fixo de € 800 mil seria pago como contrapartida a atividades comerciais que incluÃssem a imagem de Neymar.
Porém, o previsÃvel crescimento do volume de trabalhos publicitários do jogador como integrante do time espanhol passou a representar um obstáculo à sonegação. A Neymar Sport e Marketing sempre optou pelo lucro presumido como base de tributação, o que possibilitava o pagamento de impostos mais baixos devido a sua pequena estrutura e à s poucas despesas. Os futuros valores de contratos publicitários de Neymar obrigariam a empresa a alterar essa forma de taxação, pois estimava-se que as quantias fariam o total de ganhos superarem o limite para o lucro presumido. A opção por lucro real, por outro lado, aumentaria a fatia de obrigações a serem pagas.
Assim, com a criação da N&N Administração de Bens, os denunciados puderam transferir à nova sociedade parte dos valores recebidos a tÃtulo de uso do direito de imagem e garantir que a contabilidade das duas empresas permanecesse dentro do limite do lucro presumido. Para viabilizar a fraude, os signatários simularam a divisão entre "imagem individual" e "imagem coletiva" de Neymar, cabendo a primeira à Sport e Marketing e a segunda à companhia recém-fundada.
Além disso, a própria razão do contrato constitui uma flagrante irregularidade e evidencia a tentativa de ocultar o verdadeiro motivo da transferência de valores entre as partes. As cláusulas vinculam a cessão dos direitos de uso de imagem ao contrato de trabalho de Neymar, estabelecendo pagamentos proporcionais a salários e prêmios em vez de condicioná-los à exploração efetiva da imagem do atleta. Desta forma, 17,65% das verbas salariais eram pagas como "direito de imagem", o que permitiu a sonegação de tributos incidentes sobre essa parcela, de maneira semelhante ao que já ocorria quando o atacante jogava no Santos.
Por fim, o contrato de arrendamento de serviços profissionais foi pactuado em 30 de julho de 2013 para que a N&N Consultoria assessorasse o Barcelona na observação técnico-esportiva de três jogadores das categorias de base do Santos. O clube europeu havia adquirido o direito de preferência na futura contratação do trio, ainda como parte das negociações para a transferência de Neymar. O acordo de scouting fixou em € 400 mil a quantia anual a ser destinada à N&N pelo trabalho, o que deve totalizar € 2 milhões ao final dos cinco anos de contrato do atacante com o clube.
Entretanto, os documentos apresentados pela empresa à Receita Federal para justificar os valores recebidos são meras compilações de notÃcias da internet a respeito dos atletas, sem o nÃvel de elaboração compatÃvel com o preço cobrado. E assim como no contrato de imagem, os valores são proporcionais à s verbas previstas no contrato de trabalho. As fraudes seguiram os mesmos procedimentos adotados ao longo das tratativas para a contratação do jogador, com a criação de identificações falsas que mascaravam a real natureza das quantias destinadas à s empresas da famÃlia de Neymar.
"A negociação da transferência do atleta ao Barcelona foi feita num único contexto. Ou seja, toda a transação foi feita de forma globalizada, numa única negociação. Todavia, os valores a receber foram 'fatiados' em diversas rubricas: 'empréstimo', 'indenização', salários e prêmios, direitos de imagem, scouting e agência comercial, sendo certo que a maior parte dessas rubricas foram pagas a diferentes pessoas jurÃdicas integrantes do Grupo Neymar", escreveu Thiago Lacerda Nobre. "Os casos tiveram o mesmo objetivo: redução da carga tributária".
O MPF pede que a Justiça Federal, após a tramitação do processo penal, condene Neymar da Silva Santos Junior, Neymar da Silva Santos, Alexandre Rosell Feliu e Josep Maria Bartomeu Floresta pelos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90 (sonegação tributária) e no artigo 299 do Código Penal (falsidade ideológica).
Os dirigentes do Santos à época da assinatura dos contratos constam da denúncia como testemunhas. As investigações sobre sua conduta e outros fatos relacionados aos contratos continuam em curso, e novas denúncias poderão ser oferecidas à Justiça Federal".
Fonte: Estadão Conteúdo