30/07/2016 16h50
Time olímpico de refugiados passa mensagem: 'Podemos ser tudo o que quisermos'
Os milhões de refugiados espalhados ao mundo todo não podem se contentar em serem apenas pessoas esperando a hora de voltar para casa. Podem, e devem, ser aquilo que quiserem: atletas, artistas, jornalistas, médicos, advogados. É essa a mensagem que a equipe de refugiados que vai disputar os Jogos OlÃmpicos do Rio acredita estar passando ao mundo.
"Quando me contaram que eu ia para a OlimpÃada, eu falei: 'Eu sou refugiado, não pode ser. Nunca vi acontecer. Como um refugiado OlimpÃada?' O COI tirou a tristeza do nosso coração. Eu já tinha botado na nossa cabeça que a gente não pode fazer nada. Estamos lutando por todos os refugiados do mundo", garante Popole Misenga, judoca natural da República Democrática do Congo e refugiado no Brasil.
Além dele, outros quatro atletas do time de refugiados do Comitê OlÃmpico Internacional (COI) participaram da entrevista coletiva no começo da tarde deste sábado, a primeira promovida pela entidade internacional no parque olÃmpico. A presença de mais de 100 jornalistas, de diversas partes do mundo, deixou Popole radiante. "Estão todos aqui para ouvir o que nós temos para falar. O esporte nos proporcionou isso."
Na última pergunta da entrevista coletiva, um jornalista japonês lembrou Popole de algo que, até então, ele não havia se dado conta. Aquelas dezenas de câmeras estavam levando sua cara para o mundo todo. Talvez até para onde quer que estejam os seus irmãos. Quando se tocou disso, o judoca casca-grossa, que viveu na rua e passou fome no Rio, chorou.
"Tenho dois irmãos que não sei mais a cara deles assim, a gente se separou pequeno. Só o mais velho eu vou reconhecer a cara dele. Estou aqui, estou aqui no Brasil, e só estou aqui graças a uma OlimpÃada. Se ele me ver pela TV, ele pode ver que o irmão dele está aqui. E lutando", afirmou, sem segurar o choro, enquanto dava um nó na garganta de muita gente.
A entrevista coletiva inteira, aliás, foi emocionante. Um momento único nos Jogos OlÃmpicos. Esta é, afinal, a primeira vez que uma equipe de refugiados participa. "Estou um pouco triste por não representar bandeira do PaÃs, mas vou representar todos os refugiados no mundo. Todo mundo no mundo fica falando como se os refugiados não fossem importantes. Vamos mostrar que os refugiados são capazes de fazer tudo no mundo", garantiu outra congolesa radicada no Brasil, Yolande Mabika.
Os dois atletas africanos vieram ao Rio para o Mundial de Judô de 2013 e desertaram depois de serem abandonados passando fome no hotel onde estavam hospedados. Vieram pelas ruas até serem acolhidos, no inÃcio do ano passado, pelo ex-judoca Flávio Canto. No Instituto Reação, iniciativa social do medalhista olÃmpico, reencontraram o judô, o esporte e a OlimpÃada, "sonho de todo atleta".
As histórias deles se confundem com as de Rami Anis e Yusra Mardini, nadadores sÃrios que moram respectivamente na Bélgica e na Alemanha. Também eles foram acolhidos nos paÃses nos quais se refugiaram. "Eu cheguei no clube Wasserfreunde Spandau sem nada de natação, sem maiô, óculos. Chegue e disse: 'Oi, sou nadadora, podem me ajudar?'. E eles me ajudaram. Viram meu nÃvel, me aceitaram. Eles se tornaram minha famÃlia", contou Yusra, de 18 anos, a caçula do time. Ela fugiu de Damasco há um ano e mora em Berlim.
Todos também compartilham o sentimento de que querem ser os últimos refugiados na história da OlimpÃada. "Fico triste de não estar aqui como um sÃrio, mas estamos representando pessoas que perderam suas vidas, sofreram injustiça. Espero que em Tóquio não haja refugiados e nós sejamos capazes de competir sob a nossa bandeira", destacou Rami.
Fonte: Estadão Conteúdo