23/08/2022 15h50
Brumadinho: Cientistas clonam árvores de espécies raras para recuperar área
Cientistas estão clonando árvores ameaçadas de extinção e acelerando o seu florescimento para recuperar a área atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho (MG), em janeiro de 2019. Considerada um dos maiores desastres ambientais do PaÃs, a tragédia deixou pelo menos 270 mortos e um rastro de destruição ambiental. A tecnologia inédita poderá ser usada no futuro na recuperação de outras áreas, desmatadas e destruÃdas por incêndios em diferentes biomas.
A técnica é chamada de "resgate de DNA e indução do florescimento precoce de espécies florestais nativas" e foi desenvolvida por cientistas da Universidade de Viçosa, em Minas. É usada pela primeira vez em parceria com a Vale na região atingida pelo desastre. Por meio dela, o DNA das plantas destruÃdas é recuperado para clonagem. Além disso, as novas mudas são submetidas a técnicas que aceleram o florescimento, sem impacto ambiental.
"Resgatamos aquele exemplar que foi afetado pelo minério, que ia morrer em poucos meses, sobretudo árvores em risco de extinção, como ipê, jequitibá, jacarandá, pequi", afirma o pesquisador Gleison Augusto dos Santos, do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Viçosa, um dos responsáveis pelo desenvolvimento da tecnologia. "Depois, aplicamos nas mudas reguladores de crescimento para que possam florescer precocemente. Um ipê, um jequitibá, que levariam de sete a dez anos para florescer, florescem em um ano."
O processo de replicação começa no campo, com a coleta de ramos das árvores. Os pesquisadores visitam as áreas afetadas, para resgatar o DNA. O material genético é então levado para a Universidade de Viçosa. Em laboratório, os cientistas criam novas mudas a partir do mesmo material genético. Assim, geram um clone da espécie atingida no campo.
Criar um clone é importante, segundo especialistas, especificamente quando as árvores são de ocorrência muito rara. É o que acontece com espécies ameaçadas de extinção. Nesses casos, gerar novas mudas de plantas de fora poderia levar de um a dois anos. Esse prazo atrasaria ainda mais a recuperação da área.
Obtido o clone, os cientistas usam outra técnica. Ela é baseada na exposição a diferentes hormônios (os reguladores de crescimento) para que as plantas produzidas a partir de árvores resgatadas sejam capazes de florescer e frutificar mais rapidamente do que o normal. Com isso, mudas que levariam mais de oito anos para florescer iniciam esse processo seis a doze meses após o resgate. Isso viabiliza a recuperação mais rápida da vegetação e contribui para acelerar a restauração dos ambientes impactados.
A aceleração do florescimento é importante. O ecossistema só é considerado inteiramente restaurado depois que as plantas florescem e frutificam. Isso atrai polinizadores, dispersores de sementes e outros animais. "São as árvores, ao florescer, que trazem a biodiversidade para o local", explica Santos. "Dessa forma, todo o processo de recuperação ambiental da área é acelerado."
Segundo o professor, não há risco ambiental no processo. "É todo à base de produtos naturais, que induzem o florescimento. Pelo contrário, temos ganhos e aditivos ambientais positivos", afirma Santos.
Inicialmente, está sendo usado o material genético de dez plantas, de cinco espécies diferentes. O conjunto inclui algumas árvores ameaçadas de extinção e protegidas por lei. Todas são recolhidas nas áreas atingidas. Os cientistas querem chegar a 30 espécies. Pretendem ainda reintroduzir mais de 5 mil mudas nas áreas a recuperar, ao longo dos próximos três anos.
Até o momento, estão em processo de recuperação ambiental cerca de 27 hectares com o plantio de aproximadamente 70 mil mudas. Essa área equivale a 27 campos de futebol e inclui áreas diretamente atingidas pelo rompimento, além de reservas legais e Ãreas de Preservação Permanente (APP).
"Essa técnica que a universidade vem desenvolvendo traz algo inovador no âmbito da recuperação florestal muito importante", diz o engenheiro florestal Raul Firmino dos Reis Neto, da Vale. "Normalmente, precisamos de pelo menos oito anos para a recuperação de todo um ecossistema; com a tecnologia, encurtamos bastante esse tempo."
Fonte: Estadão Conteúdo