01/12/2022 21h00
Caso Evandro: revisão de condenação por morte de garoto em 1992 é adiada
O Tribunal de Justiça do Paraná retirou da pauta desta quinta-feira, 1, o julgamento do pedido de revisão criminal que poderia anular as condenações dos acusados do assassinato do menino Evandro Caetano, em 1992. Na época com 6 anos de idade, o menino teria sido sequestrado e esquartejado em um ritual de magia negra, em Guaratuba, no litoral paranaense. O TJ informou que a revisão foi retirada de pauta "para possÃvel readequação do quórum de julgamento". Ainda não há nova data para a apreciação do caso.
O pedido de revisão criminal em favor de Beatriz Abagge e outros dois condenados pelo assassinato de Evandro foi apresentado no final de 2021 pelo escritório Figueiredo Basto Advocacia, de Curitiba. A decisão beneficia também os réus Davi dos Santos Soares e Osvaldo Marcineiro, que ainda cumprem as sentenças. Outra acusada, Celina Abagge, mãe de Beatriz, foi beneficiada pela prescrição do crime. O réu Vicente de Paula Ferreira morreu em 2011 na prisão, cumprindo a pena.
Na petição de 298 páginas com 159 documentos, os advogados afirmam que o Estado suprimiu provas fundamentais para a defesa dos réus, impedindo que eles provassem as alegações de tortura. Conforme a defesa, a revisão criminal "visa a corrigir um enorme erro judiciário, de modo a reformar ou desconstituir as sentenças condenatórias transitadas em julgado, as quais foram contrárias às evidências dos autos" e "fundadas em elementos absolutamente falsos."
Os defensores alegam que há quase 30 anos a defesa já havia denunciado a tortura imposta aos acusados e a subtração de prova dos autos. "O que existe de novo é o aparecimento das provas, ardilosamente retiradas do processo, e que possuem aptidão fática e jurÃdica para determinar que os fatos em julgamento não ocorreram como descritos na denúncia e nas decisões condenatórias", informam os advogados.
No pedido de revisão, a defesa juntou fitas originais das confissões dos réus obtidas pelo escritor Ivan Mizankuk, autor de um livro sobre o caso Evandro. As gravações indicam que os policiais militares que prenderam os suspeitos os levaram para um local conhecido como "fortaleza", que seria a casa do ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, e praticaram torturas fÃsicas e psicológicas para que confessassem o assassinato da criança em um suposto ritual satânico.
Conforme os advogados, as novas provas confirmariam que o Estado cerceou o direito de defesa dos acusados, subtraindo provas dos autos - as fitas foram editadas e as gravações originais sumiram, sendo encontradas muitos anos depois por Mizankuk. O ritual de magia negra, segundo a defesa, foi arquitetado pelos acusadores. "Os acusados não registravam antecedentes criminais, eram pessoas inseridas dentro de seus respectivos contextos sociais, sem que houvesse qualquer traço de violência que os vinculasse a práticas de crimes violentos", afirma a defesa.
A petição lembra que, quando o menino morreu, aquela região do Paraná vivia um contexto de sumiço de crianças, com 28 registros de desaparecimentos, "o que fez eclodir uma verdadeira caça à s bruxas, regida não mais pela imparcialidade, mas pelo princÃpio inquisitivo". Na época, a casa de Beatriz e de sua mãe foram apedrejadas e elas eram tratadas como "bruxas". No ano passado, em carta assinada pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e FamÃlia, Ney Leprevost, o Estado do Paraná pediu perdão a Beatriz Abbage "pelas sevÃcias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora".
Antes de ser julgada, Celina Abbage ficou presa 3 anos e 7 meses além de dois anos em prisão domiciliar. Beatriz, condenada a 21 anos e 4 meses, passou 5 anos e 9 meses no cárcere, enquanto Osvaldo Marcineiro, que pegou 20 anos e 2 meses de prisão, ficou preso mais de 7 anos. Já Davi dos Santos Soares foi condenado a 18 anos e 8 meses, cumprindo 4 anos e meio em regime fechado. No mesmo pedido de revisão, a defesa pede que os condenados sejam indenizados pelo Estado.
O Ministério Público do Paraná informou que o julgamento foi retirado da pauta por uma questão processual, para se definir se os três réus devem ter a revisão julgada pela mesma Câmara de desembargadores ou por mais de uma. Disse ainda que está acompanhando a questão.
Para entender o caso
O desaparecimento
Evandro Caetano, de 6 anos, desapareceu em abril de 1992, em uma época em que várias crianças sumiram na região, gerando um clima de pânico social. Sua mãe permitiu que ele fosse sozinho à escola, a 150 m de sua casa. Cinco dias depois, o corpo da vÃtima foi encontrado com mutilações e sem as vÃsceras e órgão internos.
As investigações
A PolÃcia Civil e o Grupo Ãguia da PolÃcia Militar do Paraná seguiram uma linha de investigação levantada por um ex-investigador de polÃcia, desafeto polÃtico dos Abbage, que apontou Celina, então primeira-dama da cidade, sua filha Beatriz e outras cinco pessoas como autores do crime em um ritual de sacrifÃcio. Os acusados passaram a ser conhecidos como "bruxos de Guaratuba".
A denúncia
Os sete acusados foram denunciados por homicÃdio qualificado, sequestro e ocultação de cadáver pelo MP do Paraná. Foi acatada a tese da investigação de que a criança teria sido utilizada em um ritual de magia negra para obtenção de benefÃcios materiais junto a espÃritos satânicos.
Julgamento e condenações
O primeiro julgamento de Celina e Beatriz, em 1998, durou 34 dias e é o mais longo da história da Justiça brasileira. No veredicto elas foram consideradas inocentes, mas o júri foi anulado um ano depois. Em maio de 2011, dois dos acusados, Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos, foram absolvidos e os demais foram condenados. Celina, então com mais de 70 anos, não foi a julgamento devido à prescrição do crime.
Reviravolta no caso
Em 2018, o jornalista e professor universitário Ivan Mizanzuk investigou o caso e conseguiu os áudios originais do interrogatório das vÃtimas, expondo falhas na investigação e indÃcios de que a confissão dos acusados foi arrancada sob tortura. As descobertas foram descritas no podcast Projeto Humanos, de Mizanzuk, e serviram de base para o pedido de revisão criminal do caso.
Quem matou Evandro?
Caso o pedido de revisão criminal seja acatado pelo TJPR, as investigações sobre o assassinato do menino Evandro voltarão para a estaca zero. A hipótese é de que um serial killer estivesse agindo na região, já que outro menino de Guaratuba, Leandro Bossi, desapareceu na mesma época. O caso Evandro virou série de TV produzida pela Rede Globo e ganhou versões em livros, inclusive uma escrita pelas acusadas, Celina e Beatriz Abagge.
Fonte: Estadão Conteúdo