16/11/2022 20h20
Correção: Indígenas do Brasil se mobilizam e dão nova cara ao debate climático
Att. Srs. Assinantes,
A nota publicada anteriormente citava em uma aspa de um entrevistado que a produção de turbinas para hidrelétricas era feita pela Siemens. A produção compete, na verdade, à empresa Siemens Energy, uma empresa distinta da Siemens. Abaixo, segue versão corrigida:
Depois de emocionar a plateia na abertura da COP-26, na Escócia, a ativista indÃgena Txai Suruà desembarcou na COP-27, no Egito, na qualidade de produtora-executiva de um filme candidato ao Oscar. O documentário Território narra a saga da tribo Uruê Uá Uá contra os invasores de suas terras. Para rastrear grileiros e mineradores ilegais, os Uruê Uá Uá começaram a usar drones e aparelhos de geolocalização. Obtiveram fotos e mapas que apresentaram na Justiça como provas contra os criminosos. "O filme não mostra apenas a luta dos indÃgenas, mas também o fato de que as populações tradicionais são essenciais para deter a mudança climática", diz Txai.
Território recebeu 24 prêmios internacionais, foi exibido em 130 paÃses e já passou por várias peneiras do Oscar. Txai agora deverá participar das sessões do filme para jurados da Academia, nos Estados Unidos e Europa. O documentário foi exibido ontem no Brazil Climate Action Hub - o pavilhão da sociedade civil que, pelo terceiro ano consecutivo, reuniu os principais representantes brasileiros na COP, entre cientistas, empresários, ativistas e artistas. No coquetel que acompanhou a sessão, Txai apareceu com um cocar de penas de araras, gaviões e papagaios, aves tÃpicas da região onde vivem os SuruÃ, nação vizinha aos Uruê Uá Uá em Rondônia.
No mesmo dia, no Pavilhão da Juventude, a cinco minutos de caminhada do Brazil Hub, o DJ Eric Terena levantava a plateia com sua música eletrizante. Entre os que se rendiam ao ritmo irresistÃvel, poucos sabiam que se tratava de uma trabalho exaustivo de pesquisa musical. Eric já viajou por mais de 60 tribos brasileiras para gravar sons e entender o papel da música em cada nação indÃgena. "Não me limito a gravar, estudo a cultura de cada território", diz o DJ.
A música de Eric combina tradição e tecnologia. Sua composição mais pedida nas pistas dos diversos paÃses em que se apresentou, Djuena Tikuna, mistura percussão da região do rio Solimões, baixo elétrico e ritmos da terra do DJ, Mato Grosso do Sul. Eric se apresenta usando um cocar de arara canindé, ave tÃpica de sua região.
Nova postura
O filme de Txai Suruà e a música de Eric Terena são expressões culturais da nova postura dos Ãndios brasileiros, principalmente os da geração mais jovem. Ela inclui uma participação internacional mais forte e o uso intensivo de tecnologia. Vale para a área da cultura e também para a polÃtica.
De acordo com Dinamam Tuxá, um dos lÃderes da Articulação dos Povos IndÃgenas no Brasil (Apib), essa nova postura começou em 2019. "As instituições que nos protegiam começaram a ser desmontadas, e deixamos de ter voz no Brasil", diz Dinamam, com seu cocar de penas de gavião - sua tribo, os Tuxá, é da Bahia, na região do Rio São Francisco, onde há muitos pássaros dessa espécie. "Resolvemos então levar nossa mensagem ao exterior.
A primeira viagem levou uma comitiva da Apib a vários paÃses europeus. Eles visitaram o Parlamento Europeu, na Bélgica, e também paÃses como Alemanha, França, Espanha e Holanda. Nessa viagem inaugural, queriam alertar polÃticos e empresários para o fato de que muitos produtos consumidos na Europa eram oriundos de desmatamento em florestas tropicais. "Visitamos a Siemens (Siemens Energy, responsável pela produção de turbinas), que faz turbinas para hidrelétricas que destroem nossas comunidades, e criadores de gado na Alemanha e na Ãustria, alimentado com soja cultivada em área desmatada", diz Dinamam.
A União Europeia acabou de aprovar, em setembro deste ano, uma lei que pune empresas que usam insumos oriundos do desmatamento - o que Dinamam considera uma vitória do lobby da Apib. Eles não viajaram à Europa em 2020 por causa da pandemia, mas mantiveram contatos por zoom com polÃticos e integrantes do Parlamento Europeu.
Em 2021, a associação levou uma delegação de 40 pessoas para a COP-26, em Glasgow. Na COP-27, no Egito, os indÃgenas brasileiros participam de dezenas de eventos internacionais. Esta foi também a primeira vez que o tradicional pavilhão do Fórum IndÃgena teve mesas com tradução simultânea em português - o que possibilitou uma maior interação dos indÃgenas brasileiros com ativistas, empresários, polÃticos, militantes e seus pares internacionais.
"Nós ainda somos pouco ouvidos nas discussões sobre mudança climática, mas essa situação está mudando", disse Marciely Tupari numa das mesas do Fórum IndÃgena. "E temos mesmo que ser ouvidos porque, além de cuidarmos da florestas, somos os primeiros a sofrer os efeitos da mudança climática. Na minha região já há mulheres que ficaram doentes por causa da contaminação dos rios, devido ao garimpo ilegal."
A plateia multinacional do fórum irrompeu em aplausos. Marciely é uma das coordenadoras da Coiab, Coordenação das Organizações IndÃgenas da Amazônia Brasileira, e pretende estudar Direito para atuar melhor nas causas que defende.
Comunicação
A fala de Marciely causou comoção porque ela tocou num dos temas mais discutidos na COP-27: o fato de que a mudança climática já chegou - e os paÃses mais pobres são os que mais sentem seus efeitos. Isso é especialmente verdadeiro para os indÃgenas, que em geral vivem em regiões isoladas e em contato com a natureza. "No nosso território, em Mato Grosso, já não é mais possÃvel colher milho por causa das tempestades e enchentes constantes", disse Juliana Kerechu, nos corredores do Brazil Hub, vestida com a marca de sua nação - um cocar cor-de-rosa de penas de flamingo. "Além de fonte de alimentação, o milho é um componente importante de vários dos nossos rituais."
A palavra de ordem nova geração das tribos brasileiras é comunicação. Os indÃgenas querem ser ouvidos e entendidos, de preferência no mundo inteiro - e também entender melhor as mensagens dos não-indÃgenas. Tainara Kambeba, de 18 anos, foi convidada a participar da COP-27 pela Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, por sua habilidade na área.
Durante a pandemia, ela foi uma das responsáveis por passar as informações sobre a covid-9 para os habitantes de várias tribos - entre elas a sua própria, que vive à s margens do Rio Negro, a quatro horas de barco de Manaus. A Unicef está formando uma rede de jovens comunicadores indÃgenas em cursos online. Tainara sonha em estudar Jornalismo para continuar traduzindo o mundo não-indÃgena para os indÃgenas de sua terra, e vice-versa.
Essa é uma terceira caracterÃstica da nova geração de lideranças indÃgenas, além da inserção internacional e do uso da tecnologia. Eles criam seus próprios sistemas de comunicação e não querem depender do que chamam de "mÃdia não-indÃgena". Alana Marchineri, coordenadora da área na Coiab, alimentou freneticamente as redes sociais da brigada amazônica durante a COP-27. "Além de manter as nações em contato, as redes nos ajudam a mostrar para a população não-indÃgena a realidade que estamos vivendo em nossos territórios, e como podemos contribuir para mitigar as mudanças climáticas", diz Alana.
Eric Terena tinha uma programação quase diária como DJ na COP 27, mas não deixou de registrar cada passo dos indÃgenas na conferência com a equipe do MÃdia Ãndia, um coletivo de comunicação fundado por ele. São de Eric Terena as fotos e vÃdeos que ilustram essa reportagem. Como em sua música, Eric combina aspectos culturais e polÃticos no MÃdia Ãndia.
A totalidade dos indÃgenas entrevistados para a reportagem demonstrou otimismo com a mudança de governo no Brasil, e promete fazer cobranças, especialmente na área de demarcação de terras. "Minha música tem um lado de protesto, mas meu novo trabalho vai seguir uma linha mais alegre, refletindo o sentimento atual", diz Eric. Seu próximo álbum, calcado em pesquisas musicais em vários territórios, deve chegar ao Spotify no inÃcio do ano que vem e já tem nome: Origens.
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Fonte: Estadão Conteúdo