04/07/2022 11h05
Ex-padre acusado de violação sexual contra monges em MG é absolvido sumariamente
O juiz Roberto Troster Rodrigues Alves, da Vara Única de Monte Sião, absolveu sumariamente o ex-padre Ernani Maia dos Reis, acusado de violação sexual mediante fraude contra quatro ex-monges do Mosteiro SantÃssima Trindade, localizado na zona rural do municÃpio de 24 mil habitantes no interior de Minas Gerais. O magistrado acolheu argumento da defesa do religioso e decretou 'decadência' em favor do réu - considerou que as vÃtimas dos abusos ofereceram representação anos depois dos supostos crimes, ocorridos entre 2010 e 2018, após prazo de seis meses.
A avaliação sobre o prazo se deu em razão de o juiz considerar que os crimes sob suspeita ocorreram antes da edição da lei que tipificou o crime de importunação sexual. Tal legislação estabeleceu que a ação penal em casos de tal teor é incondicionada, ou seja, não necessita de representação. Antes dela, era necessário que as vÃtimas se manifestassem pela abertura de uma ação sobre o caso. O procedimento só não era necessário quando havia demonstração de que a vÃtima era vulnerável.
O mérito da denúncia não foi analisado pelo juiz. O argumento da defesa que foi acolhido pelo magistrado foi suscitado como questão preliminar - ou seja, analisada antes de o magistrado ponderar sobre as acusações em si.
Proferida no dia 20, a decisão de Alves contrariou parecer do Ministério Público, que defendeu a rejeição do argumento da defesa, 'em especial em vista da vulnerabilidade das vÃtimas, em vista da ascendência hierárquica, administrativa e religiosa'.
Em despacho de quatro páginas, o juiz entendeu que as condutas atribuÃdas ao ex-padre se deram enquanto era vigente a Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. "As condutas praticadas contra as vÃtimas estão integralmente sujeitas ao regramento anterior", ponderou. Tal legislação previa que a ação penal só poderia se dar sem representação por parte da vÃtima em casos de menores de 18 anos ou 'pessoas vulneráveis'.
No entanto, a avaliação do juiz foi a de que as vÃtimas eram vulneráveis 'somente durante o convÃvio declinado nos depoimentos' - as vÃtimas relataram que, após terem deixado o mosteiro, não tiveram mais contado com Ernani.
Segundo o juiz, durante o perÃodo em que estavam no local, os monges estavam sob direta influência do ex-padre, hierarquicamente na instituição, 'sendo ainda forçoso reconhecer o peso da questão religiosa no convÃvio, a impedir a possibilidade de representação por parte deles'.
"É notório e presumido que haveria graves consequências pessoais, em prejuÃzo das vÃtimas, caso formalizassem representação criminal, e o escopo da lei em definir "pessoas vulneráveis" para efeito de representação é de justamente obstar que tais pessoas, impedidas ou prejudicadas, por qualquer causa, em se manifestar, fiquem sem a proteção da legislação penal", registrou.
No entanto, Alves considerou que a vulnerabilidade a ser reconhecida no caso 'não é de caráter permanente'. Para o magistrado, com o afastamento do ex-padre da instituição religiosa, do convÃvio com as vÃtimas, 'não se pode mais reconhecer o enquadramento das vÃtimas nessa condição especial de vulnerabilidade'.
"Resulta do exame do caso que os fatos narrados se encontram inseridos na égide da legislação anterior, que demandava representação, uma vez que cessada a vulnerabilidade, sobretudo com a saÃda do acusado da instituição. No entanto, as vÃtimas vieram a oferecer representação anos depois, quando já transcorrido em muito o prazo decadencial, o que enseja a extinção da punibilidade, como invocado na peça defensiva", registrou.
Ao se manifestar pela rejeição do pedido da defesa, a Promotoria de Minas havia ressaltado que as normas não fazem distinção entre 'vulnerabilidade temporária' ou 'permanente' - "haja vista que a condição de vulnerável é aferÃvel no momento do cometimento do crime, ocasião em que há a prática dos atos executórios com vistas à consumação do delito".
"Não nos parece coerente a criação pretoriana de modelos hÃbridos de ação penal pública para o mesmo fato criminoso e sujeito à mesmÃssima situação jurÃdica ao tempo do seu cometimento, deixando ao bel prazer do intérprete, considerá-la condicionada ou não à representação", ponderou ainda o MP.
O advogado João Humberto Alves, que integra a defesa do ex-padre - diz manter posicionamento diferente do assumido pelo magistrado. "Não há que se falar em 'vulnerabilidade temporária' por parte das vÃtimas, pois ao considerar tal condição, aceitarÃamos uma ampliação do que se entende por vulnerabilidade, de forma a interpretar a lei e a jurisprudência em prejuÃzo do réu, o que não se permite no Direito Penal brasileiro".
Fonte: Estadão Conteúdo