Outras lembranças esparsas:
No princípio, a bem da verdade, devo dizer que me impressionei com tudo o que havia no colégio: quadras, jogos de todos os tipos, a piscina e o clube da cidade para frequentarmos. Cinema, sessões de teatro, música (onde se destacava o aluno Silvinho que viria a ser o cantor Sílvio Brito) revistas, banda, a chácara dos irmãos para passearmos, viagens de caminhão para outras cidades e criações de diversos animais. Vez por outra eu conseguia assistir até mesmo ao sacrifício de um boi para servir de alimento. Provavelmente o filé mignon era deles, pois nós, se chegássemos a ver alguma parte do precioso alimento, certamente seria o coxão duro ou coisa pior. Menos mal que não nos dessem os ossos como alimento. Tinha até mesmo uma fábrica de guaraná, que ficava a cargo de Antônio Pedro Terra Poison, conhecido como Veneno. Havia também um apiário de onde era tirado o mel que podíamos comprar. Isto não estava incluído na “diária”. Até chocadeira eles tinham para produzir os frangos que eles comeriam. Talvez mandassem o pescoço ou a asa para nós, em dias de festa. Com o tempo fui vendo que não havia nada melhor do que viver livre daquela verdadeira prisão. Tudo o que admirava antes, passou a não significar nada, diante da vontade de estar na minha São Lourenço e perto de minha família.
Naquele princípio de 1958 estava previsto que eu iria estudar interno em Passa Quatro. Houve algum problema que fez com que acabasse indo para Varginha. Minhas roupas já estavam marcadas com o número 27 que foi o que designaram para mim em Passa Quatro. O irmão reitor do Colégio Coração de Jesus autorizou-me a ir para lá usando o mesmo número. Mas, assim que cheguei, soube que já existia um outro interno que fazia uso dele. Arranjou-se uma bordadeira que acrescentou o algarismo 1 às marcas já feitas por minha mãezinha e por minha irmã. Assim, passei a ser o “preso” número 271, da “penitenciária”.
Isto me causou uma tristeza, por ver modificado o que fora marcado por D. Julieta. Coincidência ou não, dois anos depois, tornei-me amigo de João Augusto de Moura Leite, dois anos mais velho que eu. Fiquei sabendo que fora a mãe dele a bordadeira do algarismo. Foi em sua casa que assisti pela primeira vez a um jogo do Flamengo na televisão. Além de ser branco e preto, não pegava direito. Mas deu para curtir aquela vitória contra o Vasco, por 2 a 0, no dia 16 de setembro de 1962, tendo, Miranda, um atacante emprestado pelo Corinthians, sido o autor dos gols. João, por coincidência, era sobrinho de João Posidônio de Moura Leite, citado no princípio destas memórias, como ex-agente da Sul Mineira, em São Lourenço
Na Quarta-Feira Santa, 18 de abril de 1962, pela primeira vez em minha vida, fiz uma viagem sem ser de trem, de Varginha até aqui. Hilbert Gurgulino de Sousa, saudoso amigo, que conheci desde a infância, havia ido buscar seu filho, Arthur,que fazia o primário na mesma escola que eu. Pegando uma carona em sua Kombi, foram horas de viagem sob grande poeirada, pois não havia asfalto, o mais normal era viajar de trem. Pior que isto é que o Tuca e o Beto, seus filhos, vieram brigando durante todas aquelas horas. A velocidade das brigas, por minuto, se fosse medida, certamente seria bem mais rápida do que aquela desenvolvida pelo veículo. Antigamente, quando meus filhos brigavam, consolava-me ao lembrar que houve sim, dois irmãos que conseguiam desenvolver uma velocidade “brigativa” maior do que a que eles desenvolvem.