30/01/2023 09h30
Massacre em área Yanomami em 1993 já rendeu condenação por genocídio
Nos últimos trinta anos, a trajetória de Pedro Emiliano Garcia, 61 anos, se confunde com o caminho que levou à catástrofe humanitária que atinge hoje os Yanomami. Em julho de 1993, ele liderou um grupo de 20 garimpeiros ilegais que mataram ao menos 16 indÃgenas - três adolescentes, dois idosos, quatro crianças e um bebê, esfaqueado, entre eles -, no que ficou conhecido como o Massacre de Haximu.
Três anos depois, ele e quatro comparsas foram condenados por genocÃdio. Ao lado de outra chacina, a da Boca do Capacete, no Amazonas, contra os Tikunas, em 1988, são os dois primeiros casos julgados por esse tipo de crime no Brasil.
Hoje, com uma tornozeleira eletrônica, Pedro Prancheta (como é chamado), aguarda em liberdade uma decisão da Justiça que pode levá-lo novamente para a cadeia, desta vez por até oito anos. Ele é acusado de chefiar um garimpo ilegal em terras Yanomami e de fornecer o auxÃlio logÃstico à s operações. Em julho de 2020, 27 anos após o massacre, foi preso com dois quilos de ouro em sua casa, em Boa Vista.
Assim como na década de 1990, em 2020, quando Prancheta foi preso, o Território IndÃgena Yanomami sofria as consequências agudas da presença de mais de 20 mil garimpeiros ilegais em suas terras. Uma situação de total descontrole que culminou com centenas de mortes e no resgate de outras centenas por equipes do Ministério da Saúde em condições crÃticas de saúde e fome.
Emergência
Desde o dia 20 deste mês, foi decretado estado de emergência e a PolÃcia Federal passou a investigar as causas desse desastre humanitário que, segundo juristas ouvidos pelo Estadão, pode ser classificada como genocÃdio e levar à responsabilização de autoridades da Funai, Ministério da Saúde e, em última instância, do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nas redes sociais, Bolsonaro disse que a emergência na saúde Yanomami é uma "farsa da esquerda" e que a saúde indÃgena foi uma das prioridades da sua gestão.
"Já alertamos há muitos anos sobre essa crise humanitária e de saúde", afirmou a liderança Yanomami Dário Kopenawa, segundo quem o governo federal na gestão Bolsonaro abandonou a população indÃgena.
Investigação
Para o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, que conduziu o caso da Boca do Capacete e participou das investigações de Haximu, a crise humanitária atual mostra que em trinta anos pouco foi feito para evitar que a população indÃgena ficasse refém dos garimpeiros da ausência do Estado. "Não é uma questão de ontem, vem dos anos 90, 2000, 2010. Pouco aconteceu para que as mesmas situações se repitam", afirma.
A chacina de quase trinta anos atrás teve origem no contato entre indÃgenas e garimpeiros que ao chegar no território passaram a levar presentes como comida e roupas. Na manhã de 23 de julho, o grupo de garimpeiros liderado por Prancheta invadiu a aldeia e matou a tiros e golpes de facão ao menos 16 Yanomami. Apesar de o número de mortos nunca ter ficado claro, estimativas da época indicavam que até 70 indÃgenas podem ter sido mortos, a maioria mulheres e crianças.
"Se hoje, após a decisão do STF (que ratificou a condenação), as pessoas se tornaram mais conscientes das circunstâncias (de um crime de genocÃdio), quando fizemos a denúncia em 1993 colegas do Ministério Público perguntavam: 'GenocÃdio, como pode uma coisa dessas?'", afirma o jurista e ex-vice procurador-geral da República Luciano Mariz Maia. "Foi preciso fazer um trabalho delicado de apresentação das informações."
A diferença hoje é que a possibilidade de a crise humanitária dos Yanomami ser considerada um genocÃdio tem como agente de supostos crime não os garimpeiros (que incorrem em outras práticas), mas o próprio Estado brasileiro e seus representantes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo