Qualquer prognóstico sobre o resultado do julgamento do mensalão, que terá início no dia 2 de agosto, é um tiro no escuro. Na ponta do lápis, são 38 réus que podem suscitar até 1.089 sentenças distintas e somar 3,7 mil anos caso condenados, todos eles, a penas máximas. Mas a matemática pura não explica o cadafalso onde se misturam a política e a Justiça. Por conta disso, os brasileiros precisam se preparar para duas realidades bem distintas: a comemoração pelo combate à impunidade e, principalmente, a frustração.
Apesar de a maioria dos advogados dos acusados e dos próprios ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) insistirem em dizer que o julgamento será estritamente técnico, a verdade passa um pouco ao largo disso. A opinião pública, hoje, não afronta as decisões jurídicas apenas pela imprensa. As redes sociais são a principal voz das ruas - e elas cobram um posicionamento não só técnico dos juízes, mas principalmente moral.
"O problema do Supremo é a legitimidade pelo resultado do julgamento. Os réus estão em jogo, mas também está em jogo a instituição. O Supremo fez, nos últimos dois anos, o que nenhuma corte suprema fez até hoje. Julgou questões sociais como cotas raciais, cotas sociais, união homoafetiva, pesquisa com células-tronco, aborto de anencéfalos. No campo eleitoral, julgou fidelidade partidária, Ficha Limpa. O que a sociedade cobra, no entanto, é o que não fez. Só apreciou a moralidade na gestão pública em duas ocasiões", explica o professor Joaquim Falcão, advogado, ex-membro do Conselho Nacional de Justiça e diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, a FGV Direito Rio.
Os próprios ministros têm consciência dessa realidade. Em resposta a uma declaração da ministra Eliana Calmon, corregedora nacional da Justiça, de que o Supremo também será julgado pela opinião pública, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o STF sempre esteve suscetível a pressões, mas que ainda assim julgará de acordo com as provas. "A toda hora estamos sendo julgados. Não é só nesse caso. O que interessa é o que está nos autos", disse Mendes.
Ao todo, o mensalão tem 234 volumes e 500 apensos. São 50 mil páginas com vários tipos de provas, como depoimentos da CPI, quase 600 testemunhas de acusação e de defesa, cheques, contratos, livros contábeis, documentos fiscais, transferências bancárias, contratos, discos rígidos e mídias digitais.
Todo esse material, com a indicação de fatos e o registro de dados que deverão ser levados em conta pelos ministros, enfrenta ainda o desafio de ter comprovada sua credibilidade. E mais ainda da conexão entre os crimes - uma aposta dos advogados para livrarem seus clientes da condenação.
O Ministério Público defende que a reunião das provas permite compreender o esquema descrito na denúncia e procura fazer vínculos entre cada uma das evidências coletadas no processo para chegar ao quadro geral do mensalão. Já para os advogados dos réus, quanto mais provas forem desconsideradas, mais distante fica o tribunal do quadro geral traçado pelo MP.
"Para sustentar a acusação de lavagem de dinheiro, por exemplo, é necessária a comprovação da corrupção. E o conhecimento da origem ilícita do dinheiro é fundamental para o crime de lavagem de dinheiro. A maior dificuldade do Supremo será pegar uma lei que foi formulada para um caso específico, que é a de corrupção envolvendo dinheiro, para um caso mais abstrato, no caso a corrupção com intenção de projeto de poder", explica o professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio.
Diante de estratégias de defesa formuladas pelos maiores advogados criminalistas do País, o resultado do julgamento deve surpreender. Nos corredores do Supremo, há quem aposte que grande parte dos réus será condenada, alguns a penas maiores e outras mais brandas. O núcleo político, onde despontam personagens como José Dirceu e José Genoino, pode até ser declarado culpado.
Mas é no final do julgamento, quando há o chamado arbitramento das penas, que o País saberá o quanto cada um pagará pelos crimes cometidos - se é que foram realmente cometidos. Se os 38 réus do mensalão fossem condenados por todos os crimes descritos pelo Ministério Público, as penas mínimas somadas chegariam a 800 anos, enquanto as máximas superariam 3,7 mil.
De toda forma, há apenas uma garantia: ninguém sairá preso do plenário do Supremo. Com o veredicto em mãos, o ministro Joaquim Barbosa, relator da ação, ainda terá de redigir o acórdão do julgamento - o que pode levar semanas ou até meses, dependendo da complexidade dos votos. A partir daí, os possíveis condenados entrariam com recursos.
Para encerrar, mais alguns fatos: somente penas superiores a oito anos seriam cumpridas na prisão, uma vez que condenações menores podem ser convertidas em regime semiaberto. Já as penas inferiores a quatro anos podem ser substituídas por medidas alternativas.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, o ministro Joaquim Barbosa apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
Fonte: Terra