Dizia Miguel, que na sexta-feira anti-véspera da partida final com a seleção do Uruguai, o expresso das 4:45 horas, deixou a estação férrea de São Gonçalo do Sapucaí, MG, com expressiva lotação de passageiros; coisa incomum de ocorrer. À medida que seguia a viagem, a cada estação servida mais pessoas embarcavam a ocupar os lugares ainda disponíveis, inclusive com manifestações acaloradas de alguns mais entusiasmados, a ecoarem pela plataforma. Chegando à estação de São Lourenço, a composição férrea devido ao número elevado de passageiros, teve a inclusão de dois vagões extras, no intuito de atender a grande massa humana que seria transportada. Diante daquela necessidade premente, à massa que a plataforma aguardava autorização a ocupar os vagões agregados, em total euforia e aos gritos frenéticos de: Viva o Brasil; este título ninguém nos tira; Brasil campeão do mundo; somos os melhores do mundo, entre tantos fraseados e ditos a enaltecerem a pátria e aos heróicos jogadores, a pejorar o adversário que àquela altura vinha credenciado por conquistar a Copa de 1930, no Uruguai, sem que reconhecêssemos também a sua vontade e garra em querer ser, como nós, campeões do mundo; no caso deles bi-campeões, finalmente põe-se a ocupar seus lugares num prenúncio de algazarra, mas que acima de tudo vinha demonstrar alegria pela premeditada grande conquista.
Com a Maria-Fumaça agora engalanada e decorada com bandeiras brasileiras e outros tipos de ornamentos, partiu o expresso sob forte alarido serra abaixo, a apitar mais que necessário e a parar às estações com a inclusão de outros passageiros a embarcarem, se integrando a “festa” e a efusiva algazarra que ora vinha acontecendo a entusiasmar até mesmo o mais introvertido passageiro. Muito embora àquele tempo a utilização de camisas, camisetas, chapéus e a gama de adereços que hoje decoram e fantasiam os torcedores em seus estádios, podia-se observar certa criatividade em alguns a tornar mais alegre a festa, cujo entusiasmo pela conquista do título era estampada no semblante de todos.
Miguel na sua peculiar paciência, evidente um pouco tolhido em executar sua tarefa rotineira, seguia na obrigação profissional cumprindo a missão de chefe de trem, procurando orientar aos seus comandados em meio aquela confusão desenfreada a evitar consequências danosas, que colocassem em risco os passageiros e obviamente o patrimônio da ferrovia por possível ato vandálico que viesse a ser praticado.
Independente destas orientações e atenções, Miguel na sua fleuma, observava que aquela demonstração de regozijo das pessoas, vinha acompanhado de um patriotismo um tanto exagerado extrapolando em muito a área futebolística, onde por vezes palavras duras e inaceitáveis proferidas, eram jogadas ao vento a acirrar os ânimos “belicosos” de alguns, a compará-las até com as prenunciadas pelo déspota Hitler a enaltecer o nazismo.
Finalmente ao chegar a estação de entroncamento com a Central do Brasil, à cidade de Cruzeiro, SP, a baldear ao trem Vera Cruz oriundo de São Paulo, lá foi a massa de torcedores a ocupar os vagões especiais, colocados à disposição com destino ao Rio de Janeiro naquele 14 de Julho, levando o apoio e a esperança do torcedor sul - mineiro a nossa valorosa seleção futebolística.