Após a caminhada matinal, lá estava eu à praça da estação de São Lourenço sentado num dos bancos, a refazer as forças despendidas pelo salutar exercício, quando sou surpreendido por uma senhora portando sua cesta de palha a oferecer-me seus produtos derivados de amendoim, os quais a paçoca era chamamento principal. Diante da simpática e delicada mulher, cujo semblante embora expressando um ar de felicidade, no fundo trazia as marcas de uma vida sofrida e dura, retirei da cesta dois pacotinhos de amendoins torrados e dois de paçocas. Acertando a compra, graciosamente me agradeceu com doces e simples palavras, seguindo seu destino em busca de possível sustento a complementar sua mísera aposentadoria.
Deliciando-me com os amendoins, absorto em devaneios favorecidos pela bucólica imagem do local, cuja estação se destaca nos transportando ao passado, me aflorou à mente, quem sabe por influência daquela simplória senhora, a lembrança de uma outra mulher, D. Rosa; que à plataforma da estação férrea de Itanhandu (MG) durante o meu tempo de criança, oferecia também em uma cesta de palha suas deliciosas fatias de broa de milho aos passageiros embarcados nos trens durante os minutos de parada nos embarques e desembarques. Recordo-me que papai, já tinha em separado o dinheiro à compra, pois costumava adquirir duas broas inteiras. D. Rosa era o nosso referencial, pois sabíamos que para chegar a Campanha (MG) havia bom tempo a percorrer e aquela broa de aroma penetrante juntamente com café trazido de Cruzeiro era o nosso lanche da tarde.
Numa ocasião, ao pararmos em Itanhandu, papai retornou ao vagão, dizendo que D. Rosa não se encontrava há dois dias e o pessoal da estação não sabia o motivo da ausência. Ao retornarmos quinze dias depois de volta ao Rio de Janeiro, tivemos a noticia pela sua neta que passou a substituí-la a vender as broas, que por sinal bem diferentes no aroma, na consistência e no sabor. Pois D. Rosa fora acometida de um derrame (AVC) e passou a vegetar, infelizmente, sobre a cama. Nas férias escolares de julho de 1953, ao transitarmos por Itanhandu, soubemos que descansou, deixando aos seus apreciadores a saudade e a lacuna gulosa de suas famosas broas.
Confesso que como criança que era, a qualidade das broas pouco representava, pois o importante era degustar o quitute. Já para meus pais, apreciadores da boa degustação, sem duvida representou uma perda irreparável e o pesar pelo passamento de D. Rosa. A partir de então, além da saudade, sua lembrança permaneceu viva incorporando-se aos anais históricos: no que pese a posterior extinçao das ferrovias, como mais um personagem que vem ilustrar nossa coletânea na Fumaça do Trem!