Meu nome é Maria de Fátima Aquino Carvalho Amaral, sou de Liberdade MG. Deixo aqui o meu testemunho de fé.
Chegou o recesso escolar do mês de julho de dois mil e sete. Meu esposo estava desempregado. Fomos para Liberdade MG. Era exposição agropecuária do município. Nossos filhos estavam felizes, pois, participariam das festividades, shows etc. Nossa filha muito feliz disse que aquele ano foi o melhor ano da vida dela até aquele momento, pois havia participado de tudo que queria desde o início.
Em vinte e nove de julho de dois mil e sete, retornávamos para nossa casa em Santanésia RJ, nossos compromissos escolares começariam dia trinta de julho deste mesmo ano. Eram exatamente dezesseis horas e trinta minutos. Horário que sempre saíamos para retornarmos a nossa casa. Despedimos dos familiares e seguimos viagem. Meu esposo, que estava desempregado, disse que estava se sentindo triste. Conversei com ele dizendo que não precisava se preocupar porque naquela semana ele seria chamado para trabalhar e tudo daria certo. Seguimos nossa viagem tranquila. Em Liberdade estava um dia muito frio e nublado. Quando chegamos a um lugarejo chamado Falcão RJ, perto de Barra Mansa RJ, meu esposo observou que o céu estava lindo, estrelado, era lua cheia. Estava linda!
Observando esta beleza ele nos mostrou e disse:
- Durante todo esse tempo que moramos em Santanésia nunca vi o céu tão bonito como hoje.
Senti um arrepio e pensei: “Será que é a última vez que estamos vendo este céu lindo juntos”? Mais uma vez, assustei com o que passara pela minha cabeça. Não comentei nada com ninguém. Achei que aquele pensamento era um absurdo. Descartei. em silencio fiz uma oração. Prosseguimos viagem. Passando em Piraí RJ, nosso filho pediu pastel. A pedido dele, passamos em uma pastelaria, compramos pastéis comemos. e continuamos viagem conversando tranquilamente. Nossos filhos comeram também a maçã do amor que tinham comprado em Liberdade para comerem em casa. Quando de repente no quilômetro vinte e nove da Via Pública, RJ 145(cento e quarenta e cinco), estrada que liga ás cidades Piraí a Barra do Piraí, já no bairro Chalét a dois quilômetros aproximadamente de Santanésia RJ, onde morávamos já há dezenove anos e meio, surgiu uma enorme carreta, numa curva fechada em alta velocidade, sentido Piraí RJ, já virando, apoiada apenas com as rodas de um lado no asfalto. As outras estavam suspensas e a carreta virando para o nosso lado. Diante desta terrível imagem, seguiu-se uma frase inocente de uma criança. Meu filho de treze anos apenas, imaginando que era apenas um filme e que a carreta voltaria em sua posição normal, gritou:
- Que legal!!!
Eu, vendo o tamanho da tragédia, pedi: “Senhor Bom Jesus do Livramento proteja minha família”!!! Tudo foi muito rápido. Meu esposo jogou o carro para o acostamento, mas, não deu tempo para nada. A carreta tombou sobre o nosso carro e nos pressionou no barranco. E o carro foi esmagado. Isto aconteceu por volta de dezenove horas.
Minha filha, já com dificuldade de respirar disse:
- Mãe estou morrendo...
Respondi:
- Filha, puxa o cinto e reza...
Fiquei consciente o tempo todo, porém presa nas ferragens, sem sentir dor. Imaginava que sairia dali andando.
Em seguida, o motorista da carreta, que não sofreu nada, iluminou dentro do carro com uma lanterna. Foi quando vi que meu esposo estava morto do meu lado. Chamei pelo meu filho. Ele não respondeu. Percebi que eles tiveram morte instantânea.
O motorista pedia informações, tais como: nomes, endereço, etc. Antes de lhe informar tudo, disse-lhe desesperadamente:
- Viu moço, o que você fez? Você matou meu marido e meus filhos, você destruiu uma família...
Ele disse para que eu me acalmasse, pois eles estavam desmaiados. Eu afirmei gritando:
_Não! É mentira! Eles estão mortos.
Enquanto isso o motorista pediu socorro pelo celular. Logo chegaram os policiais que começaram a retirar os corpos do meu marido e do meu filho. Minha filha foi retirada ainda com vida e levada para Casa de Caridade Santa Rita em Barra do Piraí RJ, aonde veio a falecer após se submeter a uma cirurgia gravíssima, sua veia cava havia partido em pedaços e quatro vértebras de sua coluna foram esmagadas.
O corpo de bombeiros chegou, cortou o carro que parecia que ia incendiar, pois saía muita fumaça. Conseguiram me retirar. Eu já estava com dificuldades de respirar, porém não sentia dores enquanto estava no carro. Só fui senti-las após ser colocada na ambulância.
Chegando a Santa Casa onde estava minha filha sendo socorrida, ouvi quando os médicos pediram para fazer seu exame de sangue, precisavam saber seu tipo sanguíneo. Respondi que não precisava, pois eu sabia que era “O positivo”.
Perguntei à enfermeira como estava minha filha, ela respondeu:
- Ela está nas mãos dos médicos.
Foi quando ouvi dizer:
- Vamos intubá-la...
Uma paz infinita me envolvia sem uma explicação lógica, mas sim espiritual me levou a um pensamento:
- Fiquei sozinha, minha filha também não resistiu.
Enquanto isso, uma equipe médica me socorria. Dei-lhes todas as informações, inclusive meu tipo sanguíneo.
No momento em que me preparavam para cirurgia, perguntei como minha filha estava reagindo. A enfermeira que estava do meu lado pôs a mão na minha cabeça e respondeu:
- Vamos cuidar de você. Não se preocupe com isto agora.
Então tive certeza que ela também havia falecido.
Jesus me atendeu , quando pedi proteção para minha família, a única forma de fazê-lo foi levá-los para Ele.
“Se vocês ficam unidos a mim e minha palavra permanece em vocês, peçam o que quiserem e será concedido a vocês, a glória de meu pai se manifesta quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim como meu pai me amou, eu também amei vocês: Permaneçam no meu amor”. (Jo 15,7-9)
Fui submetida a uma cirurgia onde foram rompidas duas artérias e uma parte do intestino. Os médicos conseguiram reconstituir tudo, porém não tinham esperanças que eu resistisse.
Voltando da anestesia, enquanto os médicos conversavam comigo, ouvi alguém perguntar:
- O senhor salvou pelo menos a mãe doutor?
Ele respondeu:
- Não sei, eu tentei.
Mais uma vez tive certeza que minha filha havia também falecido. Confesso que naquele momento me veio uma enorme vontade de morrer, pois viver sem eles não fazia o menor sentido. Fui para UTI, no isolamento, onde fiquei quatro dias consciente e sabendo de tudo.
Passaram-se dias e noites, percebi que havia perdido a noção do tempo.
Em determinado momento, na UTI, observei que saíam da casa de minha sogra, onde os corpos foram velados, três coroas e três urnas. Uma multidão as acompanhava, chorei muito. Pouco depois, vi pelo vidro que dava para o meu quarto três vultos de pessoas que me olhavam. Um de estatura menor, outro de estatura média e o outro de estatura maior. Pensei: É meu esposo e meus filhos que vieram se despedir de mim. Senti uma paz infinita..., meu coração bateu muito forte, não por desespero, mas por um grande e caloroso amor. Pela razão física, é inexplicável. Calmamente disse-lhes bem baixinho, como se estivesse falando no ouvido de cada um:
_Vão com Deus meus amores, eu os amarei para sempre... Obrigada pela felicidade que vocês me proporcionaram, durante o pequeno, mas inesquecível período em que convivemos.
Ao meu esposo, especialmente, falei baixinho e carinhosamente:
_ Amor, fique tranquilo, nossos corações permanecerão unidos, mesmo estando em planos diferentes. Amar-lhe-ei eternamente. Vá em Paz. Um dia nos encontraremos segundo a vontade de Deus.
Olhando-os atentamente, rezei um Pai Nosso e uma Ave Maria oferecendo-lhes. Passaram-se alguns minutos e os vultos esmaeceram lentamente até que não os vi mais.
“Não tenha medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino.” (Lc 12,32)..
“Se o Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos, habita em vocês, aquele que ressuscitou Cristo dos mortos dará a vida também para os corpos mortais de vocês, por meio do seu Espírito que habita em vocês”. (Carta aos Romanos 8,11).
Em seguida entrou uma enfermeira, perguntei-lhe as horas e ela respondeu:
- Faltam 15(quinze) minutos para o meio dia.
Segundo meus familiares, foi exatamente o horário que estava terminado o sepultamento dos meus entes queridos.
Continuei na UTI, não tive momento nenhum de desespero, apenas chorava muito, mas ao mesmo tempo uma paz me envolvia. Tinha certeza que Deus estava comigo, minha fé superava minha dor, como nos fala a Carta de São Paulo aos Romanos:
“Assim, justificados pela fé, estamos em paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo. Por meio dele e através da fé, nós temos acesso à graça, na qual nos mantemos e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus. Não só isso. Nós nos gloriamos também nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança, a perseverança produz a fidelidade comprovada, e a fidelidade comprovada produz a esperança. E a esperança não engana, pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. (Carta aos Rom. 5, 1-5).
“Todos os dias os boletins médicos eram os mesmos: Ela ainda não morreu”. Quando os familiares preparavam os funerais, o médico lhes avisou que poderiam deixar minha sepultura pronta por que eu chegaria a qualquer momento e assim fizeram. A medicina não tem explicação para minha vida.
O motorista da carreta queria falar comigo enquanto eu estava no hospital, como não conseguiu depois que recebi alta ele foi até minha casa. Não sei o que ele queria. Não o recebi, mandei falar para ele que não queria vê-lo naquele momento, mas se fosse para pedir perdão, por mim ele já estava perdoado.
Resolvidos todos os problemas, trinta dias após o acidente fui para Taubaté, no estado de São Paulo, onde encontrei uma equipe médica maravilhosa: Cardiologista, gastroenterologista, ortopedista, mastologista, psiquiatra e psicóloga etc. com os quais comecei um tratamento bastante rigoroso. Fiz vários exames. Fui recuperando lentamente a parte física. O gastroenterologista disse que não sabe como resisti à tamanha cirurgia. Para mim não foi surpresa, pois já havia ouvido essas palavras do médico cirurgião de Barra do Piraí RJ.
Precisava de um psiquiatra. Exigência urgente do médico da Perícia de Piraí RJ, município onde trabalhava como professora. Não foi fácil, não encontrava vaga e nem encaixe com nenhum destes especialistas. Já estava ansiosa porque o dia da outra perícia se aproximava, e eu precisava levar o laudo desse profissional. Foi então que em uma consulta com a mastologista Dra. Maria do Socorro, pedi-lhe ajuda para conseguir uma vaga com um desses especialistas. Ela, muito atenciosa, na mesma hora ligou para Dra. Márcia Gonçalves, uma excelente profissional, e conseguiu uma consulta para o dia seguinte. No dia e hora marcados compareci ao consultório, onde fui muito bem recebida e atendida com muito carinho. Contei-lhe minha história e o motivo pelo qual a estava procurando. Fui medicada e encaminhada por ela a uma excelente psicóloga. Começamos uma terapia, a princípio não coloquei muita fé. Cheguei até a desmarcar algumas sessões. Para mim, nada mais fazia sentido. As pessoas que mais amei e amo não estavam mais ao meu lado. A pedido da psiquiatra, mesmo quando não tivesse vontade eu deveria comparecer. Caso não quisesse falar nada não precisava, era só ouvir o que a terapeuta teria para me falar. Aceitei a sugestão. Fiz várias sessões.
Apesar de todos os acontecimentos, agradeço ao Bom Jesus todos os dias pela família maravilhosa que Ele me deu. Por cada sorriso, cada abraço, cada beijo, cada lágrima, cada noite mal dormida, enfim por todos os momentos de felicidade que eles me proporcionaram. E na hora do acidente Ele atendeu meu pedido, acolhendo e levando todos para junto Dele. Qualquer um que sobrevivesse estaria hoje tetraplégico, tamanha fora a gravidade do acidente. O sofrimento seria muito maior para eles e para toda família. Deus os levou, mas me deixou perfeita, sem nenhuma sequela. Colocou em meu caminho pessoas competentíssimas para ajudar-me de todas as formas.
“Eu te agradeço Javé, de todo coração”. Na presença dos anjos eu canto para ti. Eu me prosto em direção ao teu santuário, e agradeço ao teu nome, por teu amor e fidelidade, pois a tua promessa supera a tua fama. Quando eu gritei, tu me ouviste, e aumentaste a força em minha alma. (Sl 138,1-3)
Dia 15 de Julho de 2009 voltei para Liberdade MG. Sempre questionando: Para que eu fiquei? O que vou fazer? Todos os dias ia na capela do Santíssimo e pedia para que Deus fosse mais claro comigo pois eu não entendia o que Ele queria de mim. Até que um dia antes da missa das dez, dirigi-me até à capela e mais uma vez fiz o mesmo questionamento e fui aguardar o momento da celebração. De repente a Salete, minha ex-aluna, saiu da sacristia procurando alguém para fazer a segunda leitura, tive a graça de ser convidada. Aceitei o convite. Olhando nos olhos dela, lhe disse: _ você foi iluminada pelo Espírito Santo. Ela não entendeu nada apenas chorou. Fui até a sacristia com ela, paramentei-me e com os demais participantes fomos preparar a entrada. Tamanha foi minha surpresa quando começou a música de entrada: “Eis-me aqui Senhor, para fazer a tua vontade e viver no teu amor”. E aí começou minha missão. Hoje participo da pastoral catequética no Santuário Senhor Bom Jesus do Livramento em Liberdade MG Arquidiocese de Juiz de Fora.
Maria de Fátima Amaral