Era uma vez uma menina que dormia durante quase o ano todo. Ela só acordava no outono. Seus pais já haviam feito tudo o que fazem os pais cuidadosos do mundo todo. Médicos, exames, terapias, tudo, até promessa. Evidentemente, nas outras estações do ano ela acordava para as principais refeições e para o tempo da escola. Aliás, como todos sabem, ou pelo menos deveriam saber é que o tempo da escola é mega sagrado, não se negocia, não se engambela e ponto final. Bem, mas voltando ao assunto, a menina, com exceção do outono, não saía para brincar, não acordava para passear, nem para ir à casa da avó que era uma quituteira de mão cheia. Sorveteria, nem pensar. Aniversários, fora de cogitação. Cinema, mais vontade de dormir. A mãe tentava de tudo; o pai prometia o infinito; a avó fazia todos os doces que já foram inventados; o avô se fantasiava de astronauta, de palhaço, ensaiava piadas; a madrinha rica prometia a Disneylândia. Mas, no outono tudo mudava, ela queria vestir todas as roupas do armário, todos os sapatos, as pessoas não entendiam que no outono cabem botas e sandálias, casaquinhos e vestidos, principalmente aquele casaquinho gostosinho de vó, de bolinha ou de cores suaves como sabonetes. Cabem caldinhos e saladas. Seus olhos dormiam para rememorar as imagens do cenário da estação com suas folhinhas de todas as cores caindo pelo chão. Os parques e praças testemunhavam as tonalidades de todos os gostos e sabores. O chão unia a diversidade de tons e formas. Estação democrática, isso o outono é a estação das possibilidades e misturas, pensava a menina em sua idéia de mundo para todos.
Dedico esta história para minha menina que acorda no outono, Luna Bacha.