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Opinião
10/02/2011 17h54

A Casa de Minha Infância (I) por Filipe Nacle Gannam

A Casa de Minha Infância (I) por Filipe Nacle Gannam


A partir desta edição, o jornal Correio do Papagaio tem a satisfação de contar com a participação de um novo colaborador. Respeitado profissional de sua área, o médico Filipe Nacle Gannam também nos revela uma vocação, um dom de profícua intimidade com as letras. Ao nos permitir compartilhar das lembranças de sua infância, somos convidados a um mergulho em nossa própria história também, um encontro pessoal com aquela criança que talvez esteja adormecida em algum porão, sótão, quintal ou quarto de nossa atual existência.


Tudo que permanece fechado por muito tempo embolora, mofa, sufoca... Creio que a receita da felicidade está nas coisas mais simples. Por exemplo, reservar um tempo em nosso agitado cotidiano para abrir a “janela do tempo”, deixar entrar a luz e permitir-se ser abraçado(a) por aquela criança que esquecemos em algum lugar...

Pablo Teixeira
Dep. de Redação



A Casa de Minha Infância (I)

Filipe Nacle Gannam

Nasci no dia 23 de fevereiro de 1947, no sobrado da Rua Wenceslau Brás, número 39.   


Quando o Dr. Eurípedes Prazeres chegou, eu já havia nascido.


Aquele fora o primeiro imóvel adquirido por meu pai, quando chegou a São Lourenço. Fora comprado do fotógrafo Francisco Lopes, o Nhonhô, por cem contos de réis, com escritura passada em 28 de junho de 1939. No entanto, minha família mudou-se de lá pouco tempo depois e me deixou pouquíssimas recordações.


Penso que era dezembro de 1948 e minha mãe estava grávida de novo. Viria no ano seguinte, o sexto filho. Então nos mudamos para a bela e grande casa, alugada do futuro prefeito, Mário Mascarenhas de Oliveira, na Avenida Getúlio Vargas, 422. Ficamos lá apenas por cerca de três anos, tempo que, embora curto, foi o suficiente para que eu guardasse gratas lembranças daqueles dias de minha infância.


No final de 1951, estaríamos de volta à querida Rua Wenceslau Brás, então no número 192, fundos.


Entre as muitas lembranças que guardei de lá, destaco meu aniversário de 4 anos. Mamãe fez um bolo de chocolate, convidando alguns vizinhos e primos. Entre os vizinhos havia a família de João Posidônio de Moura Leite, chefe da antiga Sul Mineiro, cujo escritório ficava ao lado. Sua esposa era Maria Luiza ― falecida num desses últimos anos, em Três Corações, onde residia ― e os filhos, pela ordem, João Luís, Ângela ― casada com José Oyama, médico sãolourenciano, residente em Três Corações ― e Helinho. Do outro lado estava a família do Dr. Martins de Andrade com os filhos Andrezinho e Margaridinha. Todos eram nossos amigos e companheiros de brincadeiras. Frequentemente estávamos na rua com eles. No final de um daqueles anos chegou um bebê naquela casa, Miltinho.


 (Uns 20 anos depois, estava de plantão, numa terça-feira à noite, no Hospital Miguel Couto, no Rio, e ao atender um rapaz com essa idade e preencher seu boletim de atendimento, descobri não ser ninguém mais e ninguém menos que esse bebê que tanto queríamos ver. Sua família mudara-se daqui muitos anos antes).


Existia um pé de mamão que dividia nossa casa com a dos Moura Leite. Lá, mamãe, com toda a paciência que sempre teve para brincar e cuidar dos filhos que tanto amou, colocou vários pedaços de pau atravessados. Fez como se fosse uma escada para subirmos e passarmos para a casa dos amiguinhos quando quiséssemos e vice-versa.


No jardim havia quatro pés de cipreste, muito bonitos e bem cuidados, colocados simetricamente. Lá, as gerações de pássaros de décadas atrás usavam fazer seus ninhos. Como eu amava ficar vendo os filhotinhos!


Nunca me esquecerei das palavras do Sô Moura quando querida chamar seu papagaio de estimação:
― Dá cá o pé, louro!


Com que carinho mamãe arrumava a varandinha da casa para servir de sala de refeições para as crianças! Como gostávamos de nos alimentar ali! Para alegria dos pais, até comíamos melhor...


E as brincadeiras que ela fazia com as galinhas que tínhamos no quintal? Para cada uma delas dava um apelido com os nomes de conhecidas da cidade... uma delas, por ser branca, era conhecida pelo nome de uma veneranda senhora que tinha os cabelos branquinhos.  Quando a galinha preta desapareceu por uns dias, pois estava chocando, ficamos saudosos e alegramo-nos ao vê-la de novo, rodeada de pintinhos. Inventamos até uma música para recepcioná-la:
A galinha preta já chegou de Portugal...


Como posso me esquecer de nossos livros de criança, de onde nossa mãe lia histórias?


Quem Contou Foi o Mindinho, Florinda e Floringel, Robalino e Golondrina, Contos da Carochinha e outros?  Tive tanta saudade do primeiro que um dia pedi à Biblioteca Nacional que fizesse um microfilme e depois imprimisse e me mandasse. De algumas histórias eu me lembrava perfeitamente. Os outros não havia lá.

(continua)

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