Engraçado é que contam, eles mesmos, a piada de um cara que foi convidado a almoçar na casa de uns parentes e fizeram o ritual com ele. No final, não aguentando mais de tanto comer, montou no seu burrinho e voltou para casa. No caminho, o burrinho teve sede e ele parou à beira de um riacho para que o animal matasse sua sede. Quando o burrinho terminou e estava saciado, ele, testando obicho, falou :
−Agora, beba mais um pouco de água, por mim!
Mas o burrinho tomou seu caminho e prosseguiu, sem dar importância para o seu pedido. Então ele concluiu ser mais burro do que o próprio burro, que bebera apenas a quantidade de água que queria.
Senti na carne este problema, quando estudante, em Varginha, residindo num dos velhos hotéis da cidade, Hotel Maduro, do qual guardo ternas lembranças. Havia pedido a meu pai que me tirasse do internato, pois a comida era muito ruim e eu não andava comendo nada. Mais do que depressa, ele providenciou minha ida para o hotel. Além de exigir um quarto arejado procurou certificar-se de que a comida era boa. Aliás, era muito boa. Hotéis de viajantes sempre costumavam servir uma comida saborosa. Eu, no meu apetite de 15 anos, traçava logo o conteúdo de comida de todas as travessas que colocavam na mesa. Não deixava nada. Um verdadeiro libanês! Um dia, vésperas do Dia dos Pais de 1962, meu pai me visitou e quis logo saber como andavam os estudos e a alimentação, ao que respondi estar muito bem.
Aí, veio o seguinte diálogo:
−Meu filho, o que estão dando de sobremesa no hotel?
−Doces, papai, doces ótimos, eu como tudo!
−Ué, não servem frutas?
−Não, eu não aguentaria comer mais que como.
−Um homem bem alimentado precisa comer frutas de várias qualidades, diariamente. Ainda mais na fase de crescimento que você está.
Para deleite de um vendedor de frutas que ficava com sua mercadoria à venda na rua da Estação Ferroviária de Varginha, em frente ao hotel, ele foi lá e fez a seguinte encomenda: duas vezes por semana, ele entregar-me-ia 3 dúzias de bananas, 3 de laranjas e 3 quilos de mamão. Uma vez por mês ele viria e acertaria o pagamento. Naquele dia deve ter havido festa na casa do pobre homem. Iria faturar o que nunca havia esperado. E meu pai, antes de voltar a São Lourenço, recomendou-me:
−Coma tudo, meu filho, assim você terá sempre boa saúde. Se não quiser comer por você, faça-o por mim. Não se esqueça. Não me decepcione.
E lá foi o jovem e obediente Filipe cumprir a vontade do pai. Arranjava uma caixa de papelão grande aonde ia jogando as cascas das frutas que descascava. Uma semana, duas semanas. Lá estava eu, empanturrado: gases, diarreia e outras coisas.
O vendedor de frutas sentiu-se triste, meu pai, decepcionado e eu, extremamente feliz, quando resolvi encerrar com aquele tema, apenas duas semanas depois do seu início. Definitivamente, eu não tinha −e nem tenho− preparo para viver, na vida real, o que foi vivido no filme pelos atores de A Comilança.
Edição 766