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Opinião
13/08/2010 14h59

A terceira fronteira

A terceira fronteira

O mundo está cheio de fronteiras.

Por exemplo: fala-se muito sobre a fronteira agrícola, que está em expansão – hoje, no Brasil, ela está localizada no sul da Amazônia, avançando rapidamente sobre a floresta ao norte. A fronteira agrícola é a linha imaginária que separa a mata da área sob ocupação humana.

A segunda fronteira, que sempre vem atrás da agrícola e se move com igual avidez, é a urbana. A fronteira urbana separa as cidades do mundo rural, impermeabilizando o solo no caminho. Essa fronteira avança tão rápido que, hoje, metade da população do mundo já está dentro dela (eram 30% em 1950 e serão 70% em 2050, segundo dados da ONU).

Mas pouquíssima gente fala da terceira fronteira, que sempre avança atrás das outras duas: a fronteira do lixo. A fronteira do lixo delimita imensos territórios inutilizados para a ocupação humana. São áreas que já foram cobertas de detritos, e que estão condenadas para quase qualquer tipo de uso. São pedaços do planeta que jogamos fora.

Falamos pouco dessa fronteira porque não gostamos do assunto. Lixo é um tema incômodo. Lixo a gente põe num saco plástico, leva até a calçada e esquece. Não é mais problema nosso. Só o que queremos é que alguém leve embora.

Geralmente, alguém leva. Um caminhão carrega tudo para uma área bem longe de casa. Como a produção de lixo não para, essa área não para de crescer. É essa a fronteira do lixo.

Só em São Paulo, os dois grandes aterros sanitários da cidade já ocupam uma área de mais de 2 milhões de metros quadrados, o equivalente a 270 Estádios do Maracanã. São duas cordilheiras de lixo, com 150 metros de altura, o equivalente a um prédio de 50 andares. Terra em São Paulo custa caro, você sabe. Imagina quanto vale essa área. E a situação em São Paulo ainda é melhorzinha que a média brasileira. Na maior parte do Brasil, a situação é bem pior: 64% dos municípios brasileiros nem aterro tem. Joga tudo num lixão, sem cuidado ambiental nenhum.

O Brasil produz 135.000 toneladas de lixo todo santo dia. Pense um pouco nesse número: imagine o trabalho de acondicionar uma montanha desse tamanho a cada dia do ano. Isso significa que algumas centenas de hectares do Brasil são perdidas para a fronteira do lixo todos os anos. Espaço na Terra é um recurso finito. Um dia vai acabar. Um dia a fronteira do lixo vai começar a invadir a fronteira agrícola e a fronteira urbana.

Na semana passada, o Senado Brasileiro aprovou uma boa Política Nacional de Resíduos Sólidos, criando regras para o lixo brasileiro, no intuito de reduzir o avanço da terceira fronteira. Que o Brasil, uma das 10 maiores economias do mundo, a superpotência do momento, tenha chegado à segunda década do século 21 sem uma lei para regular o lixo é motivo para morrer de vergonha. Mas pelo menos agora há uma lei. Pelo menos agora as cidades vão ter que se preocupar em eliminar os lixões e criar formas de diminuir a produção de lixo: estimulando reciclagem e compostagem (que é a produção de fertilizantes com lixo orgânico).

Estamos bem atrasados. Nossos sistemas de coleta são tosquíssimos. Mesmo São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, não recicla nem perto de 1% do seu lixo. No país todo, os sacos de lixo ficam largados na calçada e saem navegando a cada chuva até entupirem um bueiro e causarem uma enchente.

É hora de tirar o atraso. E tirar o atraso implica em prestarmos atenção no lixo. É fato que os governos têm feito um trabalho porco até hoje, mas não é justo jogar toda a responsabilidade nos políticos. Parte dela é nossa, do cidadão, do produtor, do comerciante. Quem entre nós faz um esforço para reduzir o consumo? Quem escolhe o que comprar privilegiando produtos com menos embalagem? Quem composta lixo orgânico no quintal? Quem reaproveita? Bem poucos, certamente.

Nos países desenvolvidos, há políticas bem claras para incentivar mudanças de atitude. Lembro que, em San Francisco, se eu não separasse direitinho meu lixo em três latas (recicláveis, compostáveis e lixo mesmo), receberia multa. Em Nova York, ouvi que havia até “investigadores de lixo”: gente que abria sacos de lixo em lixeiras públicas em busca de irregularidades. Zurique, na Suíça, vende caro sacos oficiais de lixo, que são obrigatórios: uma forma de desincentivar a produção de lixo.

Vamos precisar urgentemente de políticas desse tipo. Antes que a terceira fronteira chegue.


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