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Opinião
05/12/2013 11h05

Algo a declarar

Bebeto Andrade

por Bebeto Andrade                                                                                                                                                                          de Cruzília/MG


O caso se deu com Oscar Wilde, escritor irlandês, mas já circularam versões envolvendo outras pessoas. Conto a que ouvi primeiro, aparentemente a original. Oscar Wilde vivia na Inglaterra, onde havia feito sucesso e causara muita polêmica. Em 1881, porém, estava mais pra lá do que pra cá, metido em confusões e apertos financeiros. Qual a saída? Uma série de conferências nos Estados Unidos, país que ainda admirava o estilo de vida e a arte inglesa. O plano era bom: as críticas ao comportamento de Wilde, homossexual e boêmio, pareciam não chocar os norte-americanos, e o talento oratório do escritor certamente encantaria o público. Reza a lenda que o autor de “O Retrato de Dorian Gray” era um palestrador admirável, dotado de sagacidade e de uma verve diabólica, aliás, causa de muitas inimizades e rancores. Irônico sempre, sarcástico às vezes, Wilde colecionava adversários como bom irlandês que era. Assim, alguns jornais ingleses anunciaram que o escritor fora convidado para proferir palestras nos Estados Unidos, e uma nota acrescentava que o sucesso de Wilde corria mundo. Tudo uma jogada de marketing pessoal, claro, mas numa época em que o marketing nem era organizado. O fundamental era chamar a atenção para Oscar Wilde, pois Oscar Wilde adorava chamar a atenção para si. Agendadas para o início de 1882, as conferências tratavam de assuntos diversos, da arte na “Renascença Inglesa” ao refinamento da “Decoração de Casas”. Só havia um problema: como atrair o interesse dos norte-americanos para assuntos tão, digamos, específicos? Decidiu-se, então, que o melhor seria jogar o foco de luz sobre Oscar Wilde, cuja vida e atitudes despertavam mais curiosidade que sua obra. E assim foi feito. No dia de sua chegada aos Estados Unidos, Wilde apareceu trajando roupas meio extravagantes e falando pelos cotovelos, o que atraiu um batalhão de repórteres, todos farejando um bom escândalo. Ao passar pela alfândega, procedimento obrigatório, o escritor ouviu do funcionário: - Algo a declarar? - Não – respondeu Wilde. – Não tenho nada a declarar, a não ser o meu gênio... A frase foi publicada em muitos jornais, no dia seguinte, e as conferências começaram a repercutir. O sucesso inicial, porém, deu lugar ao desinteresse e o público foi diminuindo, quando Wilde deixou de ser novidade e suas palestras caíram no lugar-comum. Ao escritor restaram alguns milhares de dólares e a autoria da frase célebre, que muita gente jura não ter sido dita de improviso. Acredito que esta historieta se encaixa bem no Brasil de hoje, terra de mensaleiros que negam o crime, de governadores que nunca superfaturaram trens, de um ex-presidente da república que não sabia de nada e de um senador que não dá notícia de seu helicóptero. Quando um deles passar pela alfândega, talvez ocorra o seguinte diálogo: - Algo a declarar? - Não tenho nada a declarar, a não ser a minha cara de pau...

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