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Opinião
14/02/2019 08h31

As pessoas não são flores de plástico

Por Ana Terra Oliveira

“Nem tudo são flores”, já diz o ditado. “Às vezes são espinhos”, diz o outro. São dizeres muito usados para expressar os desgostos das relações entre as pessoas. A questão é que nós nos decepcionamos porque esperamos por flores de plástico. São flores poposas aos olhos, cabos longos, folhas largas, mas totalmente vazias de seivas, com pétalas respingadas de gotas de orvalho que são como colas opacas em tecido endurecido. Elas nem mortas são pois nunca estiveram vivas. São apenas enfeites de veludo para imitar a alegria verdadeira de um doce jardim. Artifícios para quem quer ter beleza aos olhos sem o trabalho do cuidado diário.

Uma beleza tão artificial, imóvel, que é capaz de colorir, mas também de empoeirar-se como um objeto qualquer e não faz tintura. É capaz de permanecer intacta e não incomodar muito, desde o primeiro encontro, e nunca incomodam mesmo, pois mantêm certas aparências. Mas também nem são assim agradáveis, pois nunca, nunca serão capazes de produzir o próprio perfume.

As flores de verdade, ao contrário, vivem de fases, mudanças e estações. São tão mutáveis que aguçam a curiosidade e surpreendem. Há dias que as folhas estão tão rechonchudas de àgua que até parecem sorrir e chorar. Há dias que estão tão silenciosas que só galhos se veem. Outros dias estão mais gentis e exalam perfumes. E há aqueles que ficam emocionadas e coram as faces, vermelhas como as rosas, amarelas como os girassóis, ou sortidas como as petúnias.

As flores de verdade quando dispostas para viver parecem ouvir nossos segredos e nossas dores mais profundas e vibram por nossas conquistas. Embora as folhas não tenham olhos, elas nos observam. Embora os troncos sejam duros, tem um imenso coração. Elas passam por transformações, mas queremos ter a ilusão de que permanecem as mesmas sempre e que devem ser fiéis aos padrões antigos, ou se não são como gostaríamos nos frustramos largamente. Repito, as pessoas não são flores de plástico. Nós nos esquecemos que as flores de verdade não se compram em lojas de decoração.

As flores de verdade foram criadas pela natureza, passam por seus próprios processos e são livres, podem ser como gostariam de ser. Elas são tão cheias de qualidades que não podem ser definidas e estereotipadas. Quem já frequentou aulas de biologia sabe que pistíolo, filete e pedúnculo tem seus lugares. O erro é acreditar que o todo se resume pela parte. Os espinhos, meus caros, não representam a planta inteira!
E essa expectativa e essa euforia para que só existam flores acabam colocando ilusões nos olhos. É a imaturidade de quem não conhece os ciclos da vida e não consegue ver para além, pois vive em busca das cores dos imediatismos. E talvez nesse caso as relações baseadas em euforia e expectativas não se sustentem, pois buscam apenas prazeres e o calor dos momentos. Épreciso sabedoria! Só quem já presenciou e apreciou um ipê em flor sabe que ele passou por dias de galhos nus, sem qualquer indício de folhas.

Eu descobri e ainda ando investigando que as pessoas, e também nós, as vezes, queremos que a vida tenha os encantos das flores sem termos que trabalhar na semeadura, nas regas, nas regras e nas podas. Nunca queremos podas. Podar os nossos maus hábitos, maus modos, maus olhos. E só queremos e exigimos do outro que nos dê flores. Nunca oferecemos algo de nós, não queremos ter o trabalho de cultivar as pessoas, de distribuir amor, gentilezas. É saber que viver relações positivas necessitam de doação, cuidado, expressão de afetos, de trocas gasosas, digo, energéticas, e que sejam positivas, que contribuam.

Como flores de verdade, todas precisam de carinho, de afeto, pois sentem e se importam, estão vivas, e nós também nos afetamos, também nos machucamos, também precisamos de respeito, cuidado. Então, digo a você, cuidado como fala comigo, pois tenho pétalas muito sensíveis e as palavras, a violência dos gestos, podem ferir. As vezes ferem mais do que os espinhos, pois eles não atacam por si mesmos. Talvez eles indicam que você não foi cuidadoso suficiente ao tocar uma rosa, você passou dos limites. É tudo uma questão de aprendermos a conviver uns com os outros dentro dos limites e sermos nós mesmos.

O mal deste século é esse péssimo hábito de querer obter relações fáceis, minimizar os custos, os esforços de termos que estar diante de uma planta inteira, que também fala, pensa por si, com certeza é diferente, pois não foi feita em cadeia para ser vendida em loja de decoração. O mal deste século é optar por viver em um mundo tão falso, tão plástico, achar que tudo e todos são assim descartáveis. Quanto mais ansiedade, ranger de dentes e doenças somáticas teremos que administrar para continuar vivendo em relações superficiais, artificiais, reprimindo os afetos, sem modulá-los com amor?

O mundo está saturado por toda essa vida plástica que inventados. E que acabamos por querer descartar a qualquer custo. Quanto plástico produzimos, quantos descartáveis!!! Mas descartável para onde? Pois tudo está sendo poluído. Nossos oceanos interiores estão sendo sufocados! E os oceanos da Terra? Será que essa é a expressão das nossas relações? Oceanos boiando em plásticos e descartáveis? A plástica que esconde o natural.

Com medo dos espinhos nos envolvemos em plástico-bolha. Vivemos ali naquela bolha, que é tão isolante e nada contátel. E pela euforia por flores buscamos os artificialismos. Mas lembrem-se: nas lojas de decoração o que se vende são flores tão intemperáveis, que são embaladas em sacolas e depois ficam expostas em vasos sem terra e àgua. Nunca poderão ter o gosto da vivacidade de crescerem em um jardim, não atraem borboletas, nem abelhas, nem beija-flores.

Se queremos a vida de um jardim precisamos cultivar flores de verdade, árvores vivazes de seiva. Pode ser trabalhoso, mas oferecem prazeres verdadeiros, onde podemos desfrutar dos outonos, invernos, verões e primaveras. Quem sabe assim salvaremos o planeta. Menos vida plástica, por favor! Menos plástico, por favor!

Ana Terra Oliveira é moradora de São Lourenço, psicóloga, escritora e contadora de histórias.

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