“Os animais são seres irracionais”. Essa foi uma máxima cultivada pelos seres humanos durante muito tempo como forma de diferenciá-los dos outros animais, afirmando que o homem é o único animal racional. Mas, depois dos estudos sobre inteligência e outras habilidades essa máxima não é uma verdade assim tão máxima. Muitos animais desenvolvem inteligência, capacidades cognitivas, e conceitos abstratos como demonstrar afetos, cuidado, proteção, carinho e sentimentos. Até mesmo podem ser muito mais sensíveis e perceptíveis aos ambientes e aos estados emocionais dos outros.
E vale pensar: o homem com toda a sua razão tem sido razoável? Tem utilizado suas capacidades para criar uma humanidade mais equilibrada, coerente, e consciente? Bem sabemos que razão não envolve só o racional. A lógica é apenas uma forma de razão. Mas se olharmos somente pela lógica racional, podemos questionar, temos sido lógicos? Até mesmo a lógica está sendo trocada por comportamentos e hábitos ilógicos.
Por aí é possível ver de tudo, ver pessoas agindo basicamente levadas pelos impulsos materiais em busca de prazer que pode gerar muito desprazer. Se formos avaliar melhor, se o homem estivesse conectado com o próprio instinto compreenderia a necessidade de se colocar limites em favor da preservação da vida. E se o homem estivesse conectado com a própria natureza compreenderia a necessidade de se colocar limites em favor da preservação do equilíbrio biopsicosocioespiritual. Ou seja, o papel do instinto funcionaria para preservar a vida, o papel da cultura funcionaria como forma de instruir, educar e formar pessoas conscientes. Instinto, natureza e cultura trabalhando pela integridade hunana.
Mas, para ter uma idéia, estudiosos dizem que o homem vive desconectado do próprio instinto e para ele não há limites, limites para os abusos que ele tem submetido ao corpo, abuso de sensações físicas e emocionais, uso de entorpecentes, tudo aquilo que vem causando malefícios à saúde integral. Por exemplo, um pássaro ao experimentar algum alimento em desacordo, tóxico, logo o abandona, pois o instinto mostra que poderá levá-lo à morte. Mas o homem, ao contrário, desconectado do instinto segue utilizando tóxicos, seja através de alimentos com agrotóxicos, seja através de cosméticos e uma série de produtos químicos não naturais e prejudiciais, seja explicitamente através de uso indiscriminado de remédios e pior ainda através de drogas. Isso existe, devido também a uma desconexão da cultura de valores humanitários, e valores da natureza consciente.
São os usos. A desconexão. A dissociação. Usos ilógicos. Usos irracionais. Usos nada razoáveis. E se um dia acreditou-se que os homens são animais racionais e os outros animais são seres irracionais este pensamento fez o homem achar que era uma raça privilegiada e superior.
Um certo egocentrismo humano de achar que é o centro do universo e que tudo o mais existe para satisfazê-lo.
Animais existem para servir ao homem? E tal lógica se perpetuou ao ponto da relação do homem com o animal ser pautada na exploração e na relação mercadológica. O homem produz animais, o homem cria animais para trabalhar para ele, o homem cuida da saúde do animal para vendê-lo ao consumo. O homem consome animais, usa animais. Para inúmeros fins. Desconhecemos muitos dos fins. Nem temos noção do quanto os animais são explorados. Nem proporção. As pessoas também tem animais de estimação como forma de satisfazer as carências emocionais, na maioria das vezes isso é bem inconsciente. É verdade que não é sempre assim e nem se pode generalizar, o movimento de uma lógica correta e amorosa para com os animais existe e é forte. Mas, é preciso ver que o velho ainda existe e que precisa ser potencialmente transformado.
Existe! O homem tem privilegiado ter animais de estimação em detrimento de relações humanas. Talvez porque em decorrência do uso, o animal no lugar de objeto, não fala, não expressa opiniões, não incomoda, pois se incomodar é mais fácil controlá-lo. Ou mesmo desfazer-se dele quando necessário. Isso é possível na relação com coisas. Coisas podem ser descartadas quando não servem mais. E mesmo assim o animal nunca substituirá a relação que se faz necessária ser estabelecida entre humanos. De outra forma, um animal quando tratado em sua dignidade pode ser um bom amigo, um bom parceiro, um companheiro, é o caso de animais que verdadeiramente são de estimação, não que são tratados como humanos, isso nunca, mas porque são estimados, são tratados como iguais em direito de dignidade.
Apesar de toda a quebra de paradigmas, a crença é arraigada e até as intenções elevadas podem estar contaminadas por esta visão de uso e posse, de mercado, de exploração. Esses dias eu estava lendo uma matéria sobre gatos onde se dizia que os gatos são seres especiais, capazes de purificar energeticamente o ambiente. Até aí tudo bem, porque os gatos são realmente incríveis, dóceis, amorosos, bons companheiros, ótimas companhias. Mas o que chamou a atenção foi a recomendação: se morar mais de uma pessoa na casa o ideal é possuir mais de um gato para que a carga energética negativa gerada seja distribuída. Então pensei: legal não sobrecarregar, mas não seria melhor buscar em primeiro lugar cultivar um ambiente saudável, com relações amorosas para uma atmosfera leve para que o próprio animal possa usufruir desta atmosfera sem precisar ter que servir de uso como purificador?
Se queremos trazer dignidade para a vida na Terra precisamos ultrapassar essa visão de uso como coisa, exploração e mercado. O animal não existe para ser usado. Ele existe e precisa ser respeitado, viver sua vida de bicho e até mesmo pode contribuir e auxiliar o homem, mas não numa lógica de ser inferior, irracional e objeto, onde ele não será descartado porque não serve mais, não será abatido para consumo, não será explorado para trabalho sofrido, não será aviltado por demandas emocionais humanas, não será abandonado, não será coisificado. Nem será humano. É bicho convivendo no planeta, tem fome, tem frio, sente e precisa de amor. Precisa ser bicho!
Ana Terra Oliveira é moradora de São Lourenço, Psicóloga, Escritora e Contadora de Histórias.