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Opinião
21/06/2013 09h08

Deus, o trem e Zé Gomes

José Luiz Ayres conta mais uma de suas histórias.

Turistas e passageiros fiéis do Trem das Águas, lá íamos nós, mais uma vez envolvidos pelo prazer e pelas recordações, a admirar e a curtir da janela do vagão paisagens que ressurgiam indeléveis da mente, que há décadas pelas retinas foram fotografadas e arquivadas na memória.

Voltando a olhar o interior do vagão, me pus a observar as reações das pessoas: idosos mantinham-se calados a apreciar, os quarentões a conversar com alguns mais extrovertidos e irreverentes a alegrar o ambiente com suas piadas e os mais jovens na sua maneira a curtirem apenas mais um passeio, quando notei à poltrona atrás de nós, uma senhora visivelmente comovida a enxugar as lágrimas incontidas, talvez por possível emoção, que se mostrava inconfortável perante os presentes.

Chegando a Soledade de Minas, final e retorno do percurso, após o tempo destinado visando a se desfrutar da feirinha artesanal entre outros atrativos na estação, aproximei-me da senhora a fim de auxiliá-la na inversão do encosto da poltrona quando a mesma agradecendo a minha gentileza, resolveu contar o porquê da sua emoção a qual eu vinha observando e me preocupando.

Contando-me, lembrava que uma vida, a sua, devia-se a este trem e, em especial, ao seu Zé Gomes, o maquinista, que na época fora punido com quase demissão da ferrovia (RMV), por não haver parado às estações até Três Corações. Dizia ela, comovida, que o motivo foi à pressa em conduzir ao hospital uma menina, ela, exatamente naquele trecho da ferrovia, que seus pais desesperados à margem do leito férreo munido de um lampião, fizeram parar a composição a fim de socorrer a filha que fora picada por uma Jararaca e encontrava-se a mercê da própria sorte.

Esta menina hoje, ali com quase 70 anos, emocionada a enxugar as lágrimas e a mostrar a cicatriz acima de seu tornozelo, agradecia a Deus por ter posto aquele trem em seu caminho, e elogiava o grupo de abnegados empreendedores que teve a coragem e a vontade de trazê-lo de volta a esses trilhos, a proporcionar a nós, turistas, além de um prazeroso atrativo, também trazer aos mais idosos a oportunidade de reviver recordações vivas, uma época, em que possivelmente possa-lhes oferecer momentos não só de emoções, como uma integração real ao passado em poder ouvir e soar novamente aqueles apitos que tanto ecoaram em suas vidas, que hoje silenciosos na alma, voltam a ser ouvidos ativamente a proporcionar, ao vivo, instantes de amor nessa reconciliação entre o passado e o presente.

Ah... o quão somos nós, felizes duplamente por poder viajar neste trem e ouvir histórias que nos tocam os sentimentos pela sensibilidade daqueles cuja memória vem relatar o quanto de amor esta Maria-Fumaça ainda representa, guardando em seus anais momentos tão expressivos como o de Dona Anita, a eterna menina salva por um homem chamado Zé Gomes.

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