Renunciar é não querer. Descrer. Em certos jogos, renunciar é deixar de acompanhar o naipe puxado pelo primeiro jogador. O Papa renunciou mas quais foram os motivos que ensejaram a extrema decisão do Bispo de Roma? Pouco nós interessa. Sinceramente? Não quero saber o que levou Bento XVI a abandonar a tríplice tiara ou o luxo dos aposentos “apostólicos”. O que interessa sinceramente mesmo, é a coerência da sua renúncia: “eis de reconhecer minha incapacidade para exercer bem o ministério que me foi encomendado.” Em outras palavras, disse-nos o Pontífice “quem não aguenta a mandinga, não carrega o patuá”.
A renúncia papal foi uma aula de coerência, sobretudo para nós brasileiros que vivemos no país das incoerências e que somos, diariamente, incoerentes, ao mesmo tempo em que defendemos as coerências. O Papa estava cansado. Cansaço físico das divisões internas de uma instituição que prega a unidade, cansado de falar e não ser ouvido. Penso que o já ex-papa estava mesmo é cansado de ouvir e não poder falar nada.
Esta na hora de também renunciarmos. A renúncia poderia virar moda e se estender a vários campos e por vários países, por tantas outras instituições sagradas ou seculares. Seria muito bom ouvir notícias de outras renuncias, sobre tudo no campo da política, da política brasileira.
Enquanto o Papa renuncia por saber incapaz, e assim o faz por ser infalível. Outros tantos, bambos, assumem cargos sabendo-se incapazes; surgem como meteoros nos céus da Rússia, defensores das ilegalidades e do desrespeito a coisa pública: constroem-se monumentos enquanto milhares morrem nas ruas dos mesmos estádios vitimadas pela violência urbana, pelo vício, pela miséria. Jovens morrem sufocados por omissão e negligência, crianças não estudam. Crianças e velhos morrem nas filas dos hospitais no país das riquezas que é também o pais dos miseráveis. A desigualdade se traveste de igualdade e samba no salão da injustiça.
Precisamos mesmo de renúncias. Renunciar ao sistema, renunciando o “jeitinho brasileiro” de resolver as coisas, renunciarmos impunidade. É necessário como fez o Papa, renunciarmos as situações que nos são cômodas, mas que não são favoráveis a todos.
Vamos seguir a atitude do Cardeal Joseph Alois Ratzinger. Precisamos renunciar, precisamos de pessoas corajosas que não tenham medo. A renúncia feita em Roma serve de exemplo, semeia esperança, merece aplausos.
O mundo parou para ouvir, pena que no Brasil era carnaval e só foi na tarde de quarta-feira de cinzas, em meio á apuração do resultado das escolas de samba do grupo especial do Rio, que muitos souberam da notícia. A renúncia de Bento foi um dogma proclamado, uma teurgia induvidosa, sem confete, sem serpentina.
Uma renúncia profética. Exato, consegui entender o pensamento do Bispo de Roma. É necessário mudar, ter novo olhar para as realidades que são reais, deixando de lado as aparências ou a conhecida peneira aquela que tentamos tapar o sol ou nossas atitudes de “jogar o lixo debaixo do tapete”. A renúncia papal rasga o véu das aparências, desperta autenticidade de propósitos, autenticidade e coesão com os novos tempos, sinaliza um avanço na história da humanidade, uma evolução que transcende a nossa razão...
O Papa denuncia renunciando, renuncia por amor. Ao preferir voltar a ser um comum, um Papa sem o anel do Pescador, Bento XVI fala muita mais que imagina. A renúncia do Papa é profética, merece aplausos...
Também precisamos fazer renuncias, muita renuncias.