Ainda que eu falasse a língua dos anjos sem amor eu nada seria. É o que ouvimos muito falar. E falamos muito sobre o amor, mas muito pouco sentimos e vivemos o amor. Nossas mentes entendem o conceito de amar. Depois de Jesus, o amor deve ser o substantivo mais falado de todos os tempos. Mas nem sempre sentimos o amor, porque falamos e pensamos demais. Falamos na pretenção de alcançar, mas não conseguimos realizar. Realizar o amor em nós. Eis o desafio.
E como realizar o amor? Muitos exemplos já foram dados, muitas explanações já foram lançadas, passo-a-passo descritos.
Importantíssimos, claro. Sem eles estaríamos tateando procurando os óculos na escuridão. Eles nos ajudam a ver e abrir caminhos. Então agora deveríamos partir para a ação. Para a realização. Talvez o problema não seja o não amor, porque o amor existe abundante em algum lugar dentro de nós. Talvez a questão seja as barreiras que colocamos que impedem que o amor flua. Em caso de amor, que o amor flua livremente.
Encontrar as brechas, aquela deixa para o amar, os furos, as fendas onde ele jorra amor puro. Sabe aquela fenda na parede, no meio da imensidão de concreto? E bem ali, uma plantinha ousa e desponta, e cresce e floresce? É bem ali. O amor sempre vai fazer a força de romper, porque seu aspecto natural é fluido e gregário. O amor é como um rio que corre por caminhos sinuosos, vence obstáculos, em volta dele crescem árvores, animais bebem, peixes nadam alegres, vilas com suas casas se erguem, mulheres com seus panos e bacias e meninos na cintura a lavar e cantar, cântaros nas cabeças se equilibram. O amor é água de beber, água boa que lava a alma.
Há quem flua com amor abundante, formando correntezas e nas quedas fazem cachoeiras e seguem adiante. Há rios mais intermitentes, que só se dão dependendo das raras condições ambientais. Há outros que são oásis no deserto. E há quem reza para que um fiapo de àgua desponte. Eu sei que muitos que vivem na aridez não sabem deixar sair das entranhas a água, que fica bem profunda escondida no subsolo.
Aprender a brotar, solucionar o problema da àgua, pois àgua tem é muita, mas se esconde lá no fundinho d’alma. Expressar o amor e deixar fluir. Mas há quem polua suas próprias águas com insensatez. Matam rios com lama. Matam sonhos, matam peixes, matam esperanças. É melhor matar a sede e matar a secura do coração.
Dizem que é preciso conscientizar, e vivemos a geração que teve mais informação, informações sobre preservação ambiental, sobre os relacionamentos humanos, as campanhas de solidariedade e cooperação. Mas mesmo assim, sendo a geração mais conscientizada da história, ainda se joga papel no chão e canudinhos na areia, tracam-se insultos no trânsito e pouca gentileza na hora do pagamento no caixa de supermercado, ali nem sempre se oferecem olhares e nem sorrisos, mas muitas sacolinhas. Ainda fazemos guerras, oprimimos, abusamos e criamos fofocas, apontamos os defeitos, e nos achamos muito justos com nossas balanças a julgar e pesar a vida do outro.
Somos da geração instruída, conscientizada. Somos da época das tecnologias e da globalização. Mas ainda algo acontece que não foi tocado.
Um lugar dentro do coração ainda não foi tocado. A barreira é o egoísmo. Mas eu sei que a àgua é abundante, que dentro tem água pura e boa. Peixes nadam em mim, sereias cantam nos oceanos canções de amor, pássaros voam nos céus de minhas praias, e crianças brincas alegres, ali homens trabalham com respeito a todos os seres, e paz reina. Eu sei que este lugar existe dentro de mim. A água é maior do que qualquer egoísmo, as barreiras são frágeis diante da força da fé, só um pouco de persistência e coragem e entrega. E no tempo do era uma vez esta história sobre o amor tem promessa de renovação. É tempo de se transformar, de mover as àguas, deixar fluir. E veio o tempo que a àgua contida desaguou, e os mares mortos conheceram vida.
Ana Terra Oliveira é moradora de São Lourenço, Psicóloga, Escritora e Contadora de Histórias.