Aproveitando-me de um fato ocorrido quando desfrutávamos do admirável passeio turístico no trem de São João Del Rey a Tiradentes, onde um dos turistas ao olhar debruçado à janela do vagão, teve seu imponente chapéu de “cowboy” projetado fora do trem, me fez recordar de um episódio narrado pelo saudoso Monsenhor Barbosa na ocasião que ciceroneava o não menos famoso, Dom Hélder Câmara, ao visitar a região sul-fluminense em missão pastoral.
Indicado pela sub-rede da arquidiocese da Valença a receber e acompanhar tão proeminente personalidade, foi recebê-lo em Barra do Pirai. Embarcados, lá iam em direção a Valença, quando próximo a parada de Quirino, D. Helder teve o seu chapéu de aba voado da cabeça pelo vento ao se debruçar à janela, a deixar todos da comitiva; composta de dois seminaristas, um diácono e óbvio padre Barbosa um tanto tristes. Afinal aquele chapéu o acompanhava, segundo revelou, a décadas, desde das suas peregrinações pelo tórrido e abrasador sertão nordestino durante sua evangelização. Mas conforma-se em tê-lo perdido, pois sua missão ali era bem maior que um mero objeto dito de estimação. Padre Barbosa ainda recorreu ao auxílio do chefe do trem, que infelizmente nada pode fazer.
Chegando a Valença, após o desembarque, ao caminharem à direção da praça onde um veículo os aguardava, o seminarista aflito diz que Amaro, outro acompanhante, não havia se unido a eles. Preocupado, Barbosa retorna à estação no momento que o trem partia e observa que a plataforma já mantinha-se sem qualquer pessoa. De volta dá a má noticia e, seguindo à casa paroquial, ficaram no aguardo do jovem Amaro, que talvez tenha seguido no trem.
Em mais de duas passadas, debaixo, agora, de muita preocupação pela ausência estranha do seminarista, de súbito entra à sala a governanta, dizendo que um moço todo em desalinho e sujo procurava por D. Helder . Padre Barbosa dirigindo-se a porta, espanta-se ao ver o jovem tendo às mãos um chapéu e um pé de alpargata franciscana. Assustado o convida a entrar e o levou à presença do D. Helder; que ao se deparar com o mesmo, naquele estado, boquiaberto recebe seu estimado chapéu a indagar como o havia conseguido. Abismado ficou ao saber que havia pulado do trem em movimento. Se benzendo, D. Helder perplexo pela atitude desmedida do rapaz, o recrimina alegando que podia ter morrido agindo dessa forma. O jovem esboçando leve sorriso proferiu: - Mestre, como poderia deixar um santo como o senhor sem vossa aureola? Tinha fé em Deus que nada me aconteceria. Portanto ao ver a tristeza exposta em vosso semblante só me restou pular do trem. Caminhando sobre os trilhos por algum tempo calçado só com um pé de sandália, a ferir-me sobre o pedregal, sempre orando contrito a Deus, encontrei encaixado a um moerão da cerca margeante a via a sua auréola. Por isso me sinto feliz, recompensado e agradecido a Deus pela graça alcançada, cuja intercessão por vossa abençoada presença sem duvida foi fundamental ao sucesso!