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Opinião
13/02/2019 08h36

EVOÉ,um conto de Carnaval

Por Henrique Selva Manara

Parte 1: ARIADNE

Henrique Selva Manara


Sexta-feira. Sobem a colina para averiguar o tamanho da catástrofe. A tragédia anunciada revela o podre cheiro de metais pesados sobre os corpos não identificados, mais de 160 até então. No morro, a chuva desceu violenta levando casas, crianças, velhos, animais... no dormitório, o fogo invadiu ingênuos sonhos de gol... no planalto, minotauros defecam sobre o labirinto dos ímpios, uma sombra paira no céu de fevereiro e muitos temem a saída às ruas. Ariadne, 30 anos, não quer mais o príncipe e muito menos o sapo, segue seu destino longe dele... Sufocada pelo marasmo do campo cercado pelas farpas dos arames de Teseu, Ariadne faz sua mala e segue em direção às feiras, aos centros, às redes, em busca de novas teias, novas sementes, novos sonhos. Seus vizinhos a excomungam, atiram a primeira pedra, a chamam de bruxa, louca, má. Ela segue feroz, sem olhar para trás. Ao pegar o ônibus até a capital, ela não tem certeza de nada, somente que não dá mais pra ficar. Por muito tempo tentou, ou a tentaram. “_Siga por aqui, pense nisso, depois não diga que não foi avisada”. Pelo medo de dizer não a todos que diziam que lhe amavam, vestia uma roupa que não lhe servia, o pior de todos os tiranos é aquele que se disfarça de amor. Ao chegar na grande cidade, a madrugada ainda perdura, lhe faltam pelo menos quatro horas até o sol raiar. O que fazer? Sentada, lê um livro que fala sobre o aqui a agora, sobre a importância de parar de perseguir e se deixar levar pelos fluxos da correnteza, sem se agarrar às margens do rio. Revê suas fotos, seus poemas, seus desenhos, guarda-os. Ainda é tempo de esquecer. Olha a rodoviária, quantos rostos, quantas histórias desconhecidas por trás de olhos marejados de sono. Ecoam em seus tímpanos os últimos gritos de Teseu. “_ Se não fores minha, não serás de mais ninguém”. Ela ri junto do choro. O corpo cansado não resiste e adormece no banco. No sonho uma grande fogueira. Teseu arremessa ao fogo o colchão que tantas noites os acalentou. Seus olhos são vermelhos, confusos, cheios de rancor e desejos de abraços não dados e beijos que se esgotaram. Ao seu redor mulheres dançam nuas, seus cabelos cheios de flores e os olhos cheios de purpurinas reluzem as chamas e as estrelas. Elas dançam e voam, circulares, profanas, sagradas. Ao fundo vê-se a mesma colina do início do mundo, dela descem búfalos de todas as cores, vermelhos, amarelos, pretos e brancos, seus galopes são como tambores a rufar na imensidão. No meio de toda a manada um homem dança coberto de penas e alecrim, sua pele é morena e traz marcas verdes no rosto. Ele olha para Ariadne e ela desperta. O sol nasce na estação. É sábado, um garoto passa tocando um tamborim, olha pra ela e diz : “_ A senhora é daqui, dona?”
“_Sim, sou daqui e de agora. Sou minha e de mais ninguém.”(continua...)

10 Primaveras 

10 primaveras
os separam
10 desejos não vividos
Tornam paralelos
Dois caminhos
Só a montanha faz
Refúgio
Aos encontros
Fortuitos do Dragão
E o Rio.
O Rio quer ser
Mar
O Dragão quer ser
Sol
Ela corre com lobos
Ele dança entre búfalos
Ambos reverenciam o
Carnaval.
É chegado o momento
Em que o filho
do Tempo
Vem cobrar seu dom
Cavaleiro ambíguo
Seu nome é
Retorno
Carrega o amargo
Da despedida
Com o doce néctar
Do vir a ser
Perpétuo
Em sua transformação.
Sigo confuso
Mais uma vez
Ora arlequim
Ora pierrô
Uma mistura de
Vontade de descobrir
Novas fontes
Na minha
Terra natal
E a urgência
De ajudar
A limpar a lama
Que não cessa
A devorar
Meus irmãos.
Peço asas
Ao Dragão
Ritmo aos búfalos
Vigor ao Sol
Para que consiga
Ser rápido
Como um
“Super-homem
Restituindo a glória
Mudando como
um Deus
O curso da história
Por causa da mulher.”
Ser semente
Peregrino
Flecheiro
Mensageiro do amanhã
Construtor de agoras
Respirar
Expirar
Somos mais belos
Que todo o medo
Somos filhos
Do povo
Tudoissoaí.


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