Lá estou eu mais uma vez, a recorrer às histórias narradas pelo meu inesquecível e amigo, Monsenhor Barbosa, cuja saudade me faz recordar dos nossos encontros, onde as prosas invariavelmente sempre se enveredavam ao caminho humoroso e atípico, o qual a religiosidade misturava-se ao cotidiano; por vezes de forma não religiosa, mas que devido seu dom pastoral se via obrigado a agir mesmo em detrimento aos dogmas eclesiásticos pelo que passava aos seus inúmeros fieis. Entre vários episódios, contou-me um que o fez pensar muito em efetuar, já que tinha tudo a ver com o ocultismo, e que não poderia interferir por ser um sacerdote e mas por outro lado havia a confiabilidade dos seus seguidores na certeza que sua intercessão santa seria fundamental.
Entre as cidades de Parapeuna e Santa Isabel (RJ), havia uma fazenda de importante destaque na região, não só pela área do latifúndio e na próspera produtividade, que diziam ser mal-assombrada e as pessoas que moravam às circunvizinhanças, costumavam recusar-se a caminhar pela estrada vicinal, pois eram forçadas a cruzarem com o leito ferroviário onde havia um desvio de trilhos com ramal à tal fazenda. Este local, segundo a crendice interiorana, possuía uma lenda, que falava sobre aparições fantasmagóricas, a apavorar os pobres moradores. Ao entardecer, ninguém se encorajava a cruzar o local, a não ser por trens. De acordo com lenda, estas aparições foram pelo desrespeito à violação de um outrora cemitério, que teve seus túmulos profanados e destruídos com a exumação dos ossos no intuito da construção do ramal férreo a fazenda. Contava-se que inúmeros acidentes aconteceram, bem como vidas foram ceifadas tragicamente e com vários desaparecimentos sem que até hoje soubessem dos paradeiros. De fato esta crendice vinha sendo passada de gerações a gerações. Porém, com a expansão demográfica se verificando, mais veio a se espalhar a “folclórica” lenda e as pessoas temerosas a recusarem-se em cruzar o desvio, a se disporem a percorrer mais de 1 Km para evitar passar no assombrado local.
Numa ocasião, padre Barbosa recebeu em sua igreja, uma comissão de lavradores e sitiantes que vieram, desesperadamente, implorar para que pudesse acabar com as “almas de outro mundo” de Santa Isabel, pois aquela população interiorana não poderia mais ficar a mercê dos espíritos a interferirem em suas vidas e bem como nas suas roças. Já fizeram de tudo para espantá-las, como: amarrados de olhos, velas, rezas, despachos no local, defumadores, enfim até um cabrito foi deixado em presente as almas foi morto pelo trem!
Padre Barbosa, atônito e perplexo pelo que ouvia, sem demonstrar sua irritação diante daqueles fiéis seguidores que o procuravam; como seu pastor que era, numa desesperada tábua de salvação, solicitou a todos que permanecessem tranquilos que iria orar a Deus a favor da calma reinante e que mantivessem a paz em seus interiores e a fé no bom Deus. Após deixarem a igreja, Barbosa entre sorrisos e ao mesmo tempo coçando a cabeça a pensar em como conduzir o problema, afinal àquela gente tinha suas crendices agregadas aos costumes baseados em suas gerações passadas, e dissuadi-los simplesmente com palavras não seria de “Bon alvitre”, imaginou então rezar no tal desvio, uma missa campal no intuito de na fé, trazer a todos pela presença de Deus, a confiança e extirpar de suas mentes esta malignidade que os vêem afligindo há anos.
Três dias após anunciar durante a homilia da missa dominical; a qual foi sobre a crença do ocultismo, a celebração da missa campal, padre Barbosa ao deixar a cerimônia é agraciado com salva de palmas a dizer ao final que nada é maior e mais poderoso que Deus na sua plenitude. E que os ditos “espíritos desgarrados” que por lá perambulam, serão expulsos por nossas vontades por sermos filhos de Deus.
Naquela quarta-feira, padre Barbosa todo aparamentado, diante de um improvisado altar devidamente ornamentado e preparado pelos fiéis, celebrou sua missa na presença de uma grande quantidade de pessoas, que contritas oraram com muito fervor a louvar a Deus por intercessão, evidentemente de Santa Isabel, onde a fé demonstrada fez com que aquela crendice absurda fosse esquecida e banida para sempre, a deixar os interioranos livres de um mal inexistente em cujas mentes permanecia a atormentá-los.
Com o objetivo alcançado, um detalhe importante passou a fustigar padre Barbosa, ou seja; ficou também conhecido como exorcista, o padre que venceu as “almas penadas” do desvio ferroviário!
Edição 763