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Quarta Feira, 23 de Julho de 2025

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Opinião
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Hotel Maduro

Felipe Ganan

Hotel Maduro

 

Não obstante exista uma família em São Lourenço, com este sobrenome, da qual descende minha esposa, pelo que fiquei sabendo, na época, os fundadores daquele hotel, em Varginha não tinham nada de parentesco com os daqui.

Certa vez voltamos daqui para Varginha de ônibus, o que não era comum, uma vez que a estrada era de terra e tínhamos que tomar o ônibus que ia para Belo

Horizonte até Três Corações. De lá, outro, até Varginha. Este último,era horrível, pequeno, tipo jardineira, e nele viajavam pessoas em tudo quanto é lugar. Até mesmo em cima, junto com as malas, que eram colocadas através daquela escada que tinha nas costas do ônibus. Pessoas em pé, grudadas no motorista, entrando poeira por tudo quanto é lado, naquele calor infernal. Dizem que até montados nas costas do pobre do chofer chegaram a viajar, quando era o último recurso. Mas isso não cheguei a testemunhar.

 Papai estava junto, nesta viagem. Regressávamos de um Dia das Mães. O ano era 1961. Resolvemos, nesse dia, falar tudo o que sentíamos e o nada que comíamos daquela comida horrível do internato. Havia um irmão, em 1958, que chegava a debochar do que estávamos comendo. Olhava para o frango assado tétrico que serviam no almoço de domingo e afirmava:

− Como vocês conseguem comer esta lavagem? Esta carne que vocês estão

comendo não é frango, é urubu.

Com o correr do tempo, a qualidade da alimentação foi piorando cada vez

mais. Até que nos primeiros meses de 1961, a única coisa que eu fazia, nas refeições era tomar um copo de água e, às vezes, comer a sobremesa. Preocupado, papai tirou-nos do internato, naquela mesma ida para Varginha.

Depois de pesquisar preços e qualidade, levou-nos para morar no Hotel Maduro, que ficava perto da Estação Ferroviária. Escolheu um quarto onde batia bastante sol, sem mofo (até parece que estava adivinhando que eu, no futuro um alergista, pediria sempre aos pacientes que evitassem ambientes mofados).

E assim, fui , no primeiro ano, junto com meu irmão e, em 1962, sozinho, morar naquele singelo hotel, que hoje não existe mais. Para alegria de meu pai e minha também, ali comi como tão bem quanto ele costumava nos recomendar. Tudo o que era colocado na mesa, às refeições, eu comia. Em pouco tempo havia engordado e crescido bastante, como ele queria. Magreza para ele,era sinônimo de doença, de tuberculose e outras coisas.

O dono era um português, Feliciano de Souza Pinto, encarregado de assinar meus boletins e de dar-me a mesada. Desse dinheiro eu assinava um vale, para ser cobrado de meu pai junto com a conta do mês. Lá passei muitos momentos de alegria em meus quinze anos. Ouvi jogos da Copa do Mundo de 62, em seu alto-falante.

Conheci diversos viajantes de São Lourenço que lá se hospedavam. Subi na jabuticabeira diversas vezes para roubar jabuticabas de noite. Recebia trotes de algumas meninas, o que me deixava super feliz.

Como gostava do balanço em que ficava aguardando o horário das refeições! Realmente era um lugar em que me senti bem, ainda mais no ano em que estava só, sonho de todo adolescente. Aliás, louvo o meu pai pela confiança que sempre depositou em mim. Não sei se eu seria capaz de deixar um filho de quinze anos morando sozinho num hotel em outra cidade. Com a minha formatura em 7 de dezembro de 1962 e minha vinda para cá, no dia seguinte dei adeus ao Hotel Maduro para sempre Para nossa alegria, voltamos de carro, o primeiro da vida de nossa família, uma Vemaguete branca, comprada lá, por um milhão, seiscentos e setenta mil cruzeiros. Ninguém dirigia, contratou-se um chofer para nos trazer. A estrada de Varginha até a Fernão Dias acabara de ser asfaltada e recordo-me do barulho das pedrinhas que costumam ficar soltas, após o asfaltamento, batendo na carroceria do carro.

Como recordação dos tempos de Hotel Maduro ficou: uma chave do quarto

número 40 (para consegui-la, menti que tinha sido perdida e arrumei a chave

reserva) em que vivi no ano de 62, um dos vales que fiz, de minha mesada no valor de duzentos cruzeiros, uma lata em que guardo parte de minha coleção de moedas cheia de manchas de jabuticabas e um papel escrito Hotel Maduro, destes que se usavam colocar nas malas dos hóspedes. Mesmo depois de 50 anos, não tenho coragem de jogar nada fora. Parece que assim, consigo manter o passado um pouco mais atrelado a mim.

 

 Fonte Edição 762

 

 

 

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