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Opinião
18/10/2012 17h30

Janelas do Tempo Janelas do tempo - Francisco Maria Trindade (Felício, frei)

Janelas do tempo - Francisco Maria Trindade (Felício, frei)

 Paulistano e corintiano. Alto e magro. Assim conheci Frei Felício. Francisco, era seu  nome de batismo. O ano, 1959. Finalmente, eu conseguira voltar a São Lourenço , quando cursava o então chamado primeiro ano ginasial, no Ginásio São Lourenço, na Estação.                                                                   

Meu professor de Religião, que antecedera a Frei Ezequiel (Filipe) no coração dos jovens e das crianças, era o sucessor de Frei Osório. Gostava de perguntar a ele como seria o Paraíso. Sempre sonhei em ser jogador de futebol e perguntava se, ao menos lá, conseguiria realizar meu sonho e ele respondia:

−Vai, sim, e ainda vai jogar no Corinthians!

−Não, Frei Felício, isto será o inferno. Eu quero é ser jogador do Flamengo!

Minha mãe, preocupada com o filho que começava a tornar-se um jovem, um dia foi perguntar a ele se eu poderia continuar a ler Revista do Esporte ou se era pecado.

Quanto zelo maternal!

Era uma revista semanal, que eu colecionava. Aguardava ansioso sua chegada.

Vitório ou seu pai eram encarregados de já deixar guardado um exemplar para mim.

Vinham entrevistas com jogadores, notícias, tabelas e mais outras coisas.

Sabem por que minha mãe estava com esta dúvida?

Porque apareciam jogadoras de vôlei ou basquete vestidas de maiô e ela achava que isto podia estimular meu apetite sexual incipiente. Aliás, não estava errada.

Imagine, hoje em dia, com todas essas Play Boys por aí e a Internet mostrando o sexo explícito!

Só que, para minha alegria, Frei Felício, meu amigo, não achou nada demais, até considerou minha mãezinha exagerada.

Um dia, ele fez uma campanha para doar cobertores para os pobres. Então, explicou em várias das missas que já iria comprar os cobertores e os deixaria os mesmos na Casa Paroquial. Cada pessoa que quisesse doar ao menos um coberto, passaria lá e pagaria.

Tínhamos, então, um outono e um inverno muito mais rigorosos que hoje em dia. Eram seis meses de muito frio mesmo. De bater o queixo, de tremer, de neblina até o meio-dia.

No final de agosto, três meses depois de iniciada a campanha, ninguém, acreditem, tinha ido pagar um só dos cobertores comprados.

Então, Francisco perdeu a esportiva numa das missas de domingo e, jogando uma Bíblia no chão, disse para o público mais ou menos o seguinte (diga-se de passagem, com toda a razão):

− Ei, pessoal, o que vocês estão fazendo na Igreja se não são capazes de doar um só cobertor para os pobres? Será que é mais importante agir como cristão ou frequentar a missa dominical e comungar?

Desde este tempo, algumas pessoas de nossa sociedade da época, começaram a taxá-lo de louco.  Certamente os que se negaram a atender a seus apelos. Frei Felício ficou triste e deprimido. Emagreceu muito. Acabou indo embora daqui.

Mantive sempre meu contato com ele.

Em 17 de outubro de 1965 fui encontrá-lo em Niterói. Estava com diversas dúvidas em minha vida e fui pedir sua opinião. Como sempre, foram opiniões sensatas e que muito me ajudaram.  Já fazia o cursinho vestibular no Rio e era fácil ir até Niterói, em um domingo como aquele. Voltei muito animado. Mas aquele encontro ficou registrado como o último que tive com ele, até hoje.  

Um dia, Frei Felício sumiu do mapa. Nunca mais deu notícias. Sei que abandonou a ordem dos franciscanos e que viveu em São Paulo. Ajudava a uma irmã que ficara viúva a cuidar dos filhos. Mais nada.

Jamais tornei a  vê-lo. Mas nunca o esqueci e fica sempre a esperança de que ele ainda esteja vivo e de que um dia possamos nos encontrar outra vez.

(Até hoje, quando vou levar cobertores na Casa Paroquial sinto que frei Felício me sorri de onde está...)

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