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Opinião
27/01/2011 11h38

José Luiz Ayres O herói de Conservatória!

O herói de Conservatória!

José Luiz Ayres

 

Recordando das histórias contadas pelo senhor Borges, saudoso chefe da estação da localidade de Conservatória (RJ), cujo acervo de episódios era grandioso, lembro-me, dentre muitos, de um por ele narrado que o marcou profundamente durante anos que ali operou.


Havia um cidadão de nome Felizardo, deficiente físico – sem o pé esquerdo cortado a machado por haver sido picado por uma cobra jararacuçu – que vivia na estação férrea graças à generosidade de seu Borges, que o acolheu oferecendo trabalho e teto com serviços gerais às dependências da gare, inclusive com o fornecimento de alimentação.


Nessa época, ao final da década de 40, era levado ao ar pelas ondas da rádio Nacional, um seriado radiofônico sob o título “Jerônimo o Herói do Sertão”, em cuja novela o Jerônimo tinha como companheiro fiel um jovem negro conhecido pelo nome de Moleque Saci. Obviamente que Felizardo, pela deficiência, passou a ter o apelido do personagem na localidade e seu Borges, claro, como Jerônimo.


Numa ocasião, um temporal assolou a noite inteira a região e causou vários estragos à população rural, dado a transbordamentos de rios e riachos, como notadamente quedas de barreiras e aluviões.


Antes do amanhecer, seu Borges juntou os homens da manutenção da linha, dividindo-os em duas frentes e fez com que vistoriassem a via, tanto à direção de Valença, como também no sentido contrário. Conduzindo suas pás, enxadas e picaretas, lá se foram os grupos nas suas tarefas, pois o expresso procedente de Valença era previsto às 06h40 e as comunicações, por falta de energia, estavam interrompidas.


Por voltas das 06h, a equipe sentido Valença, retorna dando a inspeção como concluída, com o leito sem qualquer anormalidade – pelo menos a 3 km de Conservatória.


Ao ouvir a conversa, Saci pulou aos trilhos com sua muleta e apressado pôs-se a caminhar. Ao atingir a chave do desvio, antes da curva que levava ao túnel, vê a agulha aberta. Ao tentar fechá-la, a mesma não se moveu por mais que forçasse. Agachando-se, observou que uma pedra impedia a flexibilização. Com o auxílio da muleta tentou retirá-la, mas não conseguiu. O tempo escasseando. Em desespero à direção do túnel de 200 metros de extensão, assusta-se temendo encontrar o trem – o que seria fatal. Não pensou muito e partiu a tropeçar, apoiando-se na muleta em plena escuridão, e finalmente atingiu o final. Assim que saiu, escutou o apito da locomotiva 206, que em marcha reduzida, apontou na pequena reta. Pulando numa perna só, agitando a muleta aonde sua camisa servia de bandeira sendo agitada, conseguiu ser visualizado pelo maquinista que, acionando os freios, foi parando e, a uns 20 metros de Saci desceu da locomotiva indo ao seu encontro. Sabedor do grave problema, os dois seguem vagarosamente adentrando ao túnel e atingem a tal agulha emperrada. Com a picareta da máquina, retiraram a pedra e seguiram para a estação onde, à escada da cabine, moleque Saci, tendo a muleta como mastro e a camisa como bandeira desfraldada, chegaram à plataforma relatando ao senhor Borges o ocorrido, corroborado pelo sorridente maquinista.


Daquele dia em diante moleque Saci – digo – Felizardo, passou a ser o mais novo funcionário da RMV, e o “Saci, o herói de Conservatória”.

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