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Opinião
05/12/2012 15h57

Na fumaça do trem - Boca fechada, a melhor estratégia

Certa feita, depois de me desfazer do guloso almoço caminhando até a estação férrea de São Lourenço, MG, e acomodar-me num dos bancos da praça, passei entre madornas, a curtir o bucólico logradouro apreciando os turistas que se chegavam visando ao passeio no Trem das Águas àquela tarde.

Erguendo-me do banco, optei por me dirigir à estação, vez que uma vontade de participar do passeio cresceu dentro de mim, talvez motivada pelo apito da Maria Fumaça, que em manobra posicionava os vagões ao longo da plataforma. Adquirindo meu bilhete, sai a caminhar pela plataforma, já que ainda havia tempo suficiente à partida e fui à direção da locomotiva 1.424, onde permaneci a papear com o jovem maquinista. De súbito, dois cidadãos de meia idade se aproximam e um deles indaga do maquinista o porquê da ferrovia ser dotada de bitola estreita. O jovem sorrindo, desculpa-se a dizer que desconhecia o motivo, vez que apenas operava a máquina. O amigo que o acompanhava, interferindo no diálogo, mostrando-se um tanto surpreso, esboça um sorriso sarcástico e interrogativo, como se surpreendesse e pergunta: - Você não sabe o porquê das diferenças métricas das bitolas no Brasil?

Curioso, me mantive atento a sua explicação, embora conhecesse as razões. Mas quem sabe houvesse outros e novos motivos que não os conhecia. Portanto, seria importante seu ensinamento. Afinal, mesmo uma cultura que pode ser considerada inútil é sempre bem vinda a engrandecer o nosso conhecimento.

Dizia o cidadão, que a diferenciação da largura das bitolas, foi por pura estratégia do governo, pois a partir da guerra com o Paraguai, quando o Brasil se iniciou nas construções das ferrovias, a implantá-las não só às capitais mas pelo interior, principalmente nas regiões sul e sudeste, havia uma certa preocupação demonstrada pelos militares na vulnerabilidade de nossas fronteiras, onde por ferrovias estaríamos passíveis em ser surpreendidos por supostos inimigos a nos invadir e tomar parte de uma região, em que países como Argentina, na época, possuindo forte poderio militar, a ponto do Gal americano Esenhauer  em suas memórias – segundo mencionou o tal “historiador”- falar sobre essa possibilidade, notadamente na era Peron. Daí então manter a estratégica quanto a metrificação das bitolas, já que seria complicado ao possível invasor, se beneficiar do avanço numa pretensa incursão belicosa.

Após ouvir tamanho absurdo, confesso que me veio a vontade de interferir na conversa, a dizer que as ditas bitolas foram programadas em conformidade com as regiões a serem estendidas, levando-se em conta ao relevo, solo, hidrografia e densidade populacional em função da economia. Evidente que este levantamento e estudo prévio demandavam o tipo das composições férreas a operarem, de acordo, principalmente, perante a topografia do relevo acidentado que nosso território é dotado, onde os ângulos e curvaturas para os trilhos teriam de ser compatíveis com o peso e comprimento dos equipamentos rodantes à total segurança da via. Estes estudos técnicos, na ocasião, eram efetuados e baseados pelos ingleses, “experts” em construir ferrovias pelo mundo.

Exemplificando, citaríamos a ferrovia D. Pedro II, posteriormente Central do Brasil, cujas bitolas apresentavam-se largas entre Rio de Janeiro e São Paulo, a atender com mais rapidez, segurança e conforto na utilização, dado ao favorecimento no assentamento dos trilhos, mesmo tendo longos trechos em serra, mas superados por túneis a evitar curvas acentuadas com contornos em encostas na necessidade de inclusões de taludes, passíveis de desbarrancamentos. Assim, a via férrea suportaria tranquilamente locomotivas mais possantes e vagões maiores, percorrendo o trajeto em total segurança. O que seria impraticável, se por acaso, fossem utilizados no sul de Minas, onde estas bitolas demandariam em enorme risco, pois o percurso é constituído de um relevo acidentado e provido de solo argiloso para suportar o considerável peso das composições. Portanto, a utilização das bitolas estreitas foram as recomendadas com equipamentos rodante mais leves.

Por isso, segundo a história, é que o Brasil se diversificou às bitolas nos leitos ferroviários e não por estratégias fantasiosas como foi dito por aquele mal informado cidadão em suas utópicas histórias, a humilharmos diante do tal “poderio” dos nossos “irmanos” sul americanos.

Lamentando pelo que nos foi exposto, deixei o local me direcionando ao meu vagão determinado, com a incumbência de passar ao jovem maquinista as verdadeiras razões e fazê-lo apagar a absurdez por hora ouvida daquele “estrategista” inconsequente ao abrir a boca.

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