06:28hs
Terça Feira, 16 de Julho de 2024

Leia nossas últimas edições

Leia agora o Correio do Papagaio - Edição 1865
Opinião
30/05/2013 09h50

Nhá Chica: pérola do Sul de Minas

José Francisco Mattos fala sobre Nhá Chica, uma guerreira que viveu no Sul de Minas

por José Francisco Mattos e Silva

Maio sempre é significativo, celebra-se grandes datas, fatos importantes, todos ligados à arte do cuidado. Maio é o mês que comemoramos a abolição da escravatura, o dia das mães, o dia a liberdade de imprensa, o dia da fraternidade brasileira, o dia da juventude e outros dias tão importantes, como é o dia do produtor rural..  Este mês de maio foi especial, diferente de todos os outros ao ser marcado pela grande festa de Minas Gerais, todo nosso Estado se reuniu na saudosa cidade de Baependi, no dia 04 de maio.

Os nascido no Sul de Minas, desde os tempos de criança, sabem das histórias de Nhá Chica. Nhá Chica, menina que  nasceu no distrito do Rio das Mortes na capital Inconfidente de São João Del Rey. Menina que aos 10 anos aportou com sua mãe escrava e seu irmão Teotônio na cidade de Baependi onde viveu até o dia de seu nascimento para a Eternidade e que durante sua vida terrena fez o bem. Uma mulher simples de milagres simples e diferentes como multiplicar laranjas, fazer instrumentos musicais funcionarem a certa hora e tantos outros  que se resumem na  multiplicação da generosidade no acolhimento aos que a ela se acorriam, fossem eles pobres ou ricos.

Francisca Paula de Jesus é seu nome. Tipicamente brasileira já no nome. Brasileira de cor,  santa miscigenação dos povos. Nhá Chica condensa a fé Lusitana de cor negra nas terras indígenas do Brasil que se formou nos caminhos da Estrada Real, no caminho do comércio. Afresco tupiniquim que faz a Matriz de Montserrat mais linda do que é. Nhá Chica é um mistério tão lindo, tão precioso, tão fantástico e que, velado em Baependi, é  revelado ao mundo como o cumprimento da promessa de que “os humildes serão exaltados”.

Filha de escravos, analfabeta, simples. Mulher que abraçou a riqueza do amor. Em sua casa, uma cama, alguns bancos, um fogão a lenha, chão batido de terra. Seus objetos, um sombrinha, um terço, uma imagem barroca da Senhora da Conceição. Sua roupa um único hábito, mulher de lenço na cabeça, apenas. Aquela foto da velhinha sentada na cadeira com a sombrinha nas mãos é a imagem de uma mulher  que soube ser gente e por ser tão humana atraiu os homens cultos do Império, abraçou os pobres, consolou os famintos, muito mais do que com o pão, alimentou o povo de sua época com a generosidade do saber ouvir e aconselhar embalado pela esperança resumida em suas poucas palavras: “vou falar com minha Sinhá”.

Nhá Chica de Baependi. Baependi que no Tupi significa “clareira aberta” ou “ qual é sua nação?”. Não sei ao certo, o que sei é que hoje Baependi é terra de Nhá Chica e seu exemplo de vida nos convida a ser cidadãos do céu. Nhá Chica mostra um céu diferente, um céu real e não um céu utópico de canções angelicais e um marasmo eterno. Nhá Chica aponta um céu coerente, uma realidade de vida, um céu que se constrói com o trabalho constante pelo qual chegaremos a construção final nosso Templo individual, como a capelinha que ela construiu no alto da colina, no quintal de sua casinha e com o esforço do seu trabalho caritativo.

Nhá Chica foi céu na terra, construiu nas centenárias ruas de Baependi o céu na vida de tantas pessoas e ainda hoje é inspiração para o acolhimento no exercício da arte de ouvir. Baependi tem sim sua clareira aberta. Em tempos de desânimo voltemos nossas esperanças ao exemplo de vida desta mulher negra e humilde que transformou a cidade de Baependi no dia 04 de maio na cidade de todos os mineiros. Naquele pedaço de chão, antigo e famoso pelas histórias das visitas da Família Imperial, dos Coronéis e do povo bom e acolhedor de umas das cidades mais importantes na história de Minas Gerais, coube  o ouvir, o pensar, o olhar e o coração de todos os filhos da Alterosas e de todos os brasileiros que receberam a primeira beata leiga e descendente de escravos  elevada a honra dos Altares  neste mês das comemorações da abolição da escravatura, remissão das atrocidades do passado.

Na minha infância, lembro-me bem das histórias contadas pelo saudoso Sr. Alberto Pena, filho de Baependi e que construiu sua vida na minha terra natal, Bom Jardim de Minas, ao lado da saudosa Helena Nardy, seus filhos, netos, todos grandes amigos. “Tio Alberto” nos contava as histórias de sua infância em Baependi e as histórias que ele ouvia daqueles que foram contemporâneos de Nhá Chica. Confesso que ficava assustado e sempre curioso não cansava de ouvir tantas histórias, a que mais gostava era a história de Nhá Chica na companhia dos meninos na laranjeira, lembro-me apenas de detalhes. Mas desde pequeno sofro de um mal terrível, ser fraco na fé, ouvia e via aquilo com curiosidade, tentando imaginar o mecanismo que ela usou para elevar-se do chão.

Hoje, “Tio” Alberto e Dona Helena já estão na Eternidade. Infelizmente não ouço mais as histórias de Nhá Chica por quem tão próximo viveu dela, histórias que eram saborosas como os doces de leite cortados em cubinhos pela Dona Helena. Mas é ela própria, Nhá Chica, que nos conta sua história e nos ensina a acreditar na beleza de suas suas palavras simples  “isso acontece porque rezo com fé”. Nhá Chica, conseguiu, não tendo vergonha de ser gente simples, com seu olhar manso, sereno, mãos envelhecidas, frágil mulher forte, a primeira dos mineiros que  naquela Serra de Santa Maria do Baependi foi proclamada beata: mulher feliz.                                   Nhá Chica, tipicamente mineira, tipicamente brasileira, a primeira santa descendente negra do Brasil, a maior pérola do Sul de Minas.

PUBLICIDADES
SIGA-NOS
CONTATO
Telefone: (35) 99965-4038
E-mail: comercial@correiodopapagaio.com.br