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Opinião
05/11/2015 11h49

O choque cultural

José Luiz Ayres

De repente, aquela senhora vestida com uma burca - vestimenta das mulheres  mulçumanas - levanta-se e vai à direção do condutor do trem a segredá-lo junto à face algo e a gesticular-se. Pelo que deu a entender, parecia não muito satisfeita com alguma coisa.

Luiz, meu pai, a observá-la, se mostrou curioso quanto ao procedimento da mulher; como não bastasse a forma pouco comum e estranha que se vestia, pois a atribuiu ser de origem árabe. Não tardou, após a retirada do condutor, chega-se ao vagão o chefe do trem dirigindo-se a tal senhora e os dois juntos da porta ficam a conversar e, pelo visto, não chegam a um acordo tal as gesticulações: onde o chefe várias vezes meneou a cabeça negativamente e a mulher de forma positiva, com inúmeros gestos e, dedo em riste, parecendo contrariada.

Na outra extremidade do vagão, quatro rapazes jogavam “truco” – jogo de cartas cuja misancene demanda além de gestos espalhafatosos dos jogadores, um palavreado em tom exagerado de voz chegando frequentemente a extrapolar nos decibéis, tal a gritaria que se transforma – em animada reunião.

O trem corria, com Luiz a desfrutar de gostosa madorma, quando de súbito é despertado por um bate-boca, cujos ânimos acirrados caracterizavam-se num inicio de furdúncio. Virando-se, vê a “mulçumana” em total descontrole segurando o alcorão (livro   sagrado   do   Islamismo), a   rasgar  cartas, e, aos   berros, discutindo   com   os “trucadores”, que por sua vez a revidavam pela interferência com palavras agressivas a chamá-la de freira desavergonhada por encobrir o rosto, entre outros adjetivos  e impropérios. Quando apressado, chega o chefe do trem na tentativa de apaziguar o bate-boca e leva pela cabeça uma “livrada” da enfurecida íslamita, que a segura pelo braço afastando-a do local, conduzindo-a, com ajuda de Luiz, ao seu lugar, onde bem irada e nervosa se acomoda proferindo palavras incompreensíveis na sua língua de origem.

Serenados os ânimos, Luiz em conversa com o chefe, soube do porquê do furdúncio. A mulher lhe veio reclamar, que não poderia ler o alcorão, pois “pecadores” malucos nas suas aberrações pecaminosas a desconcentravam da leitura, a torturá-la perante Maomé. Como no Brasil não existe lei que impessa coibir tal divertimento e o truco é jogado dessa forma, nada poderia fazer, a não ser que mudasse de vagão, o que até a ofereceu. Mas irredutível não aceitou.

E assim, mais uma vez, rebuscando do saudoso Luiz suas histórias, cujo acervo se faz considerável, trouxe um episódio em que o choque cultural causou um lamentável incidente, embora por um lado não deixasse de ter um cunho pitoresco pelos costumes e tradições religiosas entre oriente e ocidente. Se hoje ainda existe, mesmo com o avanço das comunicações, imagine na época das Marias - Fumaça!

 

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