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Opinião
13/11/2014 13h21

O hábito da bondade desfez o preconceito!

José Luiz Ayres

Era uma manhã enfarruscada pelas nuvens negras em seguimento de uma noite muito chuvosa, que de certa forma amedrontava e colocava aquela gente interiorana fluminense; desprovida de recursos e apoio, possivelmente pela tensão às suas lavouras, sob o julgo da intempere, enquanto padre Barbosa no trem, sonolento, viajava pelo expresso das 5:45hs de retorno a Rio das Flores - RJ, após um pernoite imposto numa fazenda em Parapeuna - RJ, onde chamado às pressas foi ministrar uma extrema-unção e acabou sendo pela chuva impossibilitado de retornar através do último trem às 17:30hs.

Entre cochilos e vez por outra ser despertado por fiéis que os solicitavam a benção, no que se aproveitava a observar o tempo e a clamar a Deus em proteger os aflitos irmãos, de repente sente no pequeno tranco do vagão e em seguida um alongado apito, que a velocidade do comboio foi reduzindo drasticamente até surgir o som da frenagem com a parada total efetuada. Desperto, Barbosa descendo o vidro da janela a olhar o leito, observa um homem a conversar com o maquinista em sua cabine. Não tardou, subiu à locomotiva com o trem a se deslocar lentamente e logo parar. Intrigado, Barbosa volta-se à janela e vê uma carroça carregada com laranjas posicionada sobre os trilhos. Deixando o vagão, pelo leito margeante aos trilhos que devido ao lamaçal, optou caminhar pela linha a galgar os dormentes e o pedregal. De súbito, talvez trôpego pela sonolência e a dificuldade, não demorou, tropeçou e não tendo como se escorar, foi projetado à margem se chafurdando à lama. Erguendo-se, meio tonto e enlameado, se chegou ao local a explicar o seu ocorrido e integra-se sobre o que aconteceu. Só que pelo peso da carga e não bastasse o do veículo, seria impossível os cinco homens ali; maquinista, auxiliar, chefe do trem, carroceiro e Barbosa, deslocarem a carroça, já que duas das quatro rodas; uma dianteira e outra traseira tinham alguns raios danificados, além das traseiras estarem atoladas quase ao eixo.

Barbosa então propôs desatrelar a junta dos bois e solicitou ao chefe à ajuda de pelo menos mais dez pessoas para que pudessem retirar o veículo, pois descarregá-lo demandaria tempo e o atraso do expresso, o que comprometeria o ramal da região, cuja chuva se mantinha incessante. Acatada a sugestão, logo apareceram doze pessoas a juntarem-se e sem mãos a medir deram início à árdua operação após a retirada dos pobres animais. Porém, Barbosa estranhou à presença de uma mulher, mas acreditou se tratar apenas em solidariedade à tarefa em ajudar. Só que com o grupo se juntando de acordo com a massa física de cada um a quem caberia ficar à traseira; parte mais pesada, portanto maior dispêndio de força, para surpresa do padre Barbosa, lá se posicionou a mulher. Espantado, comentou ao chefe do trem sobre a atitude absurda, quando um cidadão toca ao ombro e falou: - “Padre não se assuste, o senhor bem que não conhece fazendeira Mariana. Desculpa-me pelas palavras. Ela é conhecida como “Mari das coisas roxas” por essas bandas. Já enfrentou muito homem na briga e pôs a correr alguns posseiros de suas terras no tapa. Sem contar que ninguém a derrota na queda de braço. Seus braços e mãos parecem de ferro”

Barbosa um tanto abismado pelo que ouviu, juntou-se à lateral da carroça e deram início ao trabalho sob a chuva e sobre o lamaçal. Finalmente depois de força e exaustivo esforço, conseguiram desobstruir a via posicionando a carroça fora do leito férreo sobre cuidados do carroceiro, que certamente resolveria o problema, como disse aliviado, a agradecer e beijar à mão suja de padre Barbosa que o benzeu.
Enquanto isso, o pessoal encharcado, enlameado e sujo caminhava extenuado aos seus vagões e lugares, sem antes deixar de se valer das torneiras da locomotiva. Barbosa que vinha mais atrás é abordado na caminhada por “Mari coisas roxas”, a indagá-lo se teve alguma dificuldade vestindo este hábito e batina, já que há anos, - à época o uso de calças pelas mulheres era incomum - dizia, não saber o que é um vestido ou saia, pois elas atrapalhavam na lida da fazenda. Caminhando sobre o pedregal, Barbosa virando-se a ela, responde: - Minha filha, não se esqueça de que o hábito não faz um monge e nem a troca de uma vestimenta tira a feminilidade e a beleza de uma mulher, mesmo que os predicados digam o contrário!

 

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