Entre as inúmeras histórias contadas pelo saudoso chefe de trens Miguel, onde situações as mais inusitadas se fizeram presentes durante seu ciclo profissional no cotidiano, uma, entretanto, virou histórica, passando a ser sempre revivida por Miguel nas suas narrativas.
Contava que, procedente de Campo Belo, MG, uma famosa banda musical excursionava pelo sul de Minas a oferecer apresentações aos finais de semana em coretos; comuns na época às praças interioranas, clubes recreativos, salas de cinemas e outros tantos locais, no intuito de expor e mostrar seus naipes de músicos, cujo comando era sob a batuta de maestro Raul Pena, renomado artista oriundo da orquestra do maestro Scarambone, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Utilizando-se dos trens, tinha suas apresentações calcadas num roteiro pré-estabelecido, baseado nos horários das composições e baldeações a outros ramais férreos dentro de um esquema elaborado de acordo com as prefeituras locais. Afinal, os músicos, como amadores, tinham em Campo Belo suas ocupações profissionais e não dispunham de facilidades a ausentarem-se dos seus trabalhos. Assim sendo, cada músico, além da tarefa musical, era também o responsável por seu instrumento, embora a ferrovia cedesse à banda um vagão a atendê-los, permanecendo à disposição do grupo, na espera da partida a outra localidade a ser agraciada após a fanfarra se exibir.
Numa ocasião, a banda chegou ao anoitecer à cidade de Campanha – MG, onde teve o pernoite, pois se apresentaria pela manhã em cerimônia festiva pelas bodas de ouro do casal Silvio e Altina Belato. O grupo, composto de 18 músicos, reuniu-se no local bem antes da apresentação quando, espavorido e ofegante, Ezequias, o bombardino, se chega dizendo que seus instrumentos, o bombardino e a tuba, não estavam no vagão junto aos demais, ou seja: foram deixados em Soledade, esquecidos de ser baldeados pelos carregadores e arrumadores da estação. Criou-se o impasse: como suprir a falta da tuba? Pelo telégrafo, foi constatado que houve desatenção dos empregados no embarque das peças, deixando-as no depósito. Felizmente, como havia tempo hábil, por sugestão do coordenador do evento, uma tuba foi apresentada a Ezequias. Só que sem uso há vários anos e guardada nos depósitos dos porões da prefeitura, seu estado de conservação era bem precário. Trazido o instrumento, depois de “limpo” pelos funcionários da rede, que se prontificaram a ajudar junto a Ezequias, constatou-se que o mesmo, de fato, estava bem ruinzinho; cheio de massas, amassamentos vários na possibilidade de interferir na sonoridade, com o cromado descascado e bem oxidado. Mas, enfim, seja o que Deus quiser; no que se conformou o abnegado tocador.
Todos a postos em seus lugares a testarem as afinações dos instrumentos com seus acordes sendo repassados em baixa sonoridade, as estantes com as partituras prontas a abrir a fanfarra, Ezequias, mostrando-se um tanto amuado, amargurado e talvez envergonhado pelo aspecto crítico da tuba que lhe haviam destinado, fato incomum, afinal seus instrumentos sempre chamavam a atenção por serem luzentes, polidos e bem cuidados, apoiando-se à coxa, acerta o posicionamento da embocadura, concentrando-se ao maestro Raul Pena, cuja batuta acionada inicia o concerto.
Tudo ia dentro dos conformes quando, chamada a entrar em harmonia a tuba, Ezequias, empolgado, querendo suprir a precariedade visual do instrumento, levou aos lábios a embocadura com vontade e algo de estranho ocorreu com o som a propagar-se como uma enorme “flatulência”, evidentemente destoante do conjunto na obra executada, chegando a provocar risos à plateia. Dando mais ênfase e força no sopro, de repente é expulso do interior da tuba dois objetos que, lançados ao ar, projetam-se: um sobre o quarteto de violinos à frente e o outro tocando no maestro, cai sobre a plateia. No que a confusão é formada ao ver que se tratavam de filhotes de cobras causando enorme balbúrdia. Com a paralização abrupta do concerto, em que os músicos se atropelavam tentando deixar o local e com as pessoas apavoradas a correrem, o evento foi interrompido, com Ezequias lançando longe a “caída” tuba (covil de cobras). Pelo que se soube, as serpentes assustadas desapareceram, assim como o público disperso não mais retornou ao local e o perplexo maestro Raul Pena, cuja batuta também sumiu, deu o espetáculo como suspenso com a retreta de Campo Belo, lamentando pelo descaso e negligência da ferrovia pela ausência da tuba de Ezequias.
Claro que para os companheiros e a banda de Campo Belo, a culpa deveu-se exclusivamente à RMV (Rede Mineira de Viação), esquecendo-se que a ferrovia não teve culpa pelos maus serviços praticados por negligentes funcionários. Mas, como tinha as costas largas, pagou o pato, a manter o título de Ruim, Mas Vai. Pobre ferrovia!