De volta do passeio à reserva do Ibama, em passa Quatro, – onde numa van com mais dez pessoas nos encontrávamos –, ao chegarmos ao trevo de acesso à cidade, no cruzamento com à rodovia BR, fomos pela Polícia Rodoviária obrigados a parar pela passagem de uma carreta, que vagarosa transportava volumosa e pesada carga a ocupar quase toda a largura da rodovia, sendo direcionada por batedores de segurança. À medida que se aproximava, observamos tratar-se de uma locomotiva, pois visualizamos a parte superior da cabine. Um senhor, ouvindo o comentário, já que entretido lia uma revista, depois de fixar-se à carga abriu a porta da van indo posicionar-se à beira da estrada. Já próximo, constatamos que não era uma locomotiva, mas sim parte dela, composta de cabine e da carvoaria, onde a ferrugem pelo tempo implacável corroia impiedosamente a velha e “esquartejada” maria-fumaça, cujo número à lateral, quase apagado, lia-se 312.
Com mais de 20 minutos aguardando, quis o destino que a carreta parasse bem na nossa frente. De súbito, aquele senhor que deixou a van, apressado galgou o veículo subindo à carroceria e entrando na cabine do que sobrou do 312, mesmo alertado e proibido pelo pessoal da segurança. Não dando ouvidos à proibição, sumiu no interior da carcaça só aparecendo quando retirou do bolso o lenço, pondo-se a limpar o número 312.
Deixando o local, cabisbaixo, visivelmente triste, ladeado a um segurança, juntou-se ao grupo onde víamos lágrimas correndo a sua face suja pelo passar do lenço usado após limpar a carvoaria sobre o número. Já no interior da van, refeito parcialmente da emoção, dirigiu-se a nós e falou:
– Vocês me desculpem pela cena talvez grotesca que presenciaram, mas não pude conter a emoção ao ver minha velha companheira e amiga. Foram anos convivendo diariamente cruzando Minas Gerais, quando há quase 35 anos a deixei e a vi pela última vez. Só que não esperava vê-la como a vejo; esquartejada, mutilada e a caminho certamente de alguma fornalha à reciclagem no que sobrou. Portanto, mais uma vez peço desculpas pelo meu procedimento aloucado e procurem compreender o gesto infantil. Afinal, foi neste equipamento que tudo na minha vida, aos 18 anos como um foguista a padejar carvão à sua caldeira, se iniciou. Hoje, industrial no ramo da reciclagem no Rio de janeiro, tenho orgulho em possuir na parede às costas da mesa de trabalho, o retrato onde posei ao lado desta amiga, quando em 1946, a conduzi como maquinista pela primeira vez, com apenas 24 anos. Como vêem, não poderia ser diferente a minha reação.
Liberado o trânsito e ao cruzarmos a rodovia, seu Antônio, como se anunciou, ao longe passou a seguir o “cortejo fúnebre” até sumir no horizonte com os olhos avermelhados, sob um semblante triste a verter pela face lágrimas... por uma eterna saudade.