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Opinião
19/12/2013 15h29

Pelo trem se fez um destino

José Luiz Ayres

por José Luiz Ayres

 

Depois de concluirmos nosso roteiro turístico no qual a prioridade foi  visitação pelas terras sul-fluminenses ao secular patrimônio, onde em destaque dezenas de fazendas se sobressaem com suas imponentes sedes de belos e majestosos casarões coloniais pertencentes aos outrora intitulados Barões do Café, que na fase áurea da monocultura cafeeira foram os esteios da economia brasileira, lá estávamos nós para o desfecho do memorável passeio cultural à plataforma da simpática estação ferroviária de Paraíba do Sul - Estância Hidromineral Fluminense - aguardando a partida do velho trem a vapor que nos conduziria à localidade de Cavarú, coroando, assim, a histórica e deslumbrante excursão.

 

Com a maioria dos turistas se mostrando ansiosa, afinal aquele encerramento vinha ratificar o êxito da magnífica excursão, uma senhora aproxima-se de nós e tece comentários inerentes àquela estação e, mesmo como disse, ser a primeira vez que nela pisava, revelou que ali teve início toda a história de sua vida, e, emocionada, pôs-se a narrá-la.

 

Por volta de 1930 seu pai, Carlos, na época com 16 anos, morador em Paraíba do Sul, vivendo com sua mãe viúva e quatro irmãos, resolveu deixar a casa alegando ir em busca de trabalho. Mesmo contestado pela mãe, levado pela impetuosidade, deu prosseguimento ao seu intento. Só que na verdade sua “aventura” não era no intuito do trabalho, mas sim pela paixão, segundo revelou anos depois, ao regressar à casa da família, já vivendo na cidade do Rio de Janeiro. Disse que seu pai, Carlos, quando deixou Paraíba do Sul, seguiu pelo trem acompanhando o circo Sarrazani, que após um mês de espetáculo na cidade, partiu em direção à Juiz de Fora, dando início a sua turnê de apresentações em Minas Gerais.

Seu ingresso no circo ocorreu quando a trupe circense chegou à cidade e contratou auxiliares de serviços gerais, onde, escolhido, passou a atender aos trapezistas. Esse convívio diário o tornou, por se mostrar um excelente e simpático auxiliar, uma pessoa muito querida entre todos. Porém, uma paixão fulminante por uma jovem trapezista, que o fez virar a cabeça e a cada dia que passava mais Carlos, de forma platônica, se apaixonava pela moça sem que a mesma percebesse o seu affair. Mesmo porque era quatro anos mais velha e, óbvio, não sentia nada por ele. Estigmatizado por aquela compulsiva, abrupta e crescente paixão de adolescente impulsionada pelos hormônios que começavam a aflorar, resolveu seguir com o circo em busca de conquistar a sua pretensa amada, cujo nome era Mara. Embarcado solitário no vagão destinado aos apetrechos dos trapezistas, foi surpreendido com a presença de Mara que, penalizada, resolveu lhe fazer companhia. Durante a viagem, Carlos, criando coragem, se declarou a sua musa que, surpresa e atônita pela impactuosa declaração, cedeu parcialmente aos encantos do apaixonado jovem. A partir de então, passaram a se ver com outros olhos, dando início ao pretenso namoro. Com o tempo, aquele envolvimento amoroso tornou-se um romance sério e dois anos depois trocavam alianças com juras de amor, casando-se numa cidade do estado de Goiás. Um ano é meio após a oficialização da união, nascia, em Governador Valadares, Carla Mara, como se disse chamar.

Mas quis o destino que após cinco anos, Carlos que se tornara o palhaço Cacá, vivendo como nômade a percorrer sobre os trilhos das ferrovias com a trupe circense os rincões brasileiros, tivesse um duro golpe que transformou para sempre sua vida. Mara, acidentada em grave acidente deixa o trapézio, tendo de viver atrelada a uma cadeira de rodas e, com dois anos e apesar de muito amor, de muita solidariedade e apoio, foi chamada a juntar-se a Deus, num salto à eternidade.

Tomado pela profunda dor da perda, entre muita tristeza e imensa saudade, Carlos decide abandonar a vida artística, retornando às suas origens. Só que para a Capital, pois sua família já residia definitivamente na cidade do Rio de Janeiro. 

Aconchegado, amparado pela família que o ajudou a criar sua Carla Mara, viveu intensamente em função da filha e a recordar-se da sua eterna amada Mara até seus últimos dias no ano de 1997.

Hoje, a professora Carla Mara, finalmente, depois de mais de setenta anos, pôde conhecer a cidade de Paraíba do Sul e pisar na plataforma da estação onde o jovem Carlos, seu pai, partiu levado por uma paixão que veio transformar-se num amor eterno, cujo fruto é a razão de sua vida consumada nessa comovente e bela história de amor, em que o trem e o picadeiro uniram-se no destino.

 

 

 

 


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