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Opinião
06/06/2013 09h20

Retratos da Vida (parte II)

Filipe Gannam continua sua história...

Emília era alta e clara. Nascida no Amazonas morava num prédio azul muito bonito, na Praia do Flamengo, 254, perto daquele onde residia o governador Carlos Lacerda. Na sala de aula, havia bancos muito grandes em que se sentavam, com certo desconforto, dez ou mais pessoas. Era uma das que estava em meu banco e nos tornamos confidentes. Vivíamos as alegrias e as tristezas um do outro, sabíamos de todos os casos amorosos com detalhes. Sempre que vinha a São Lourenço, não me esquecia de levar um presentinho para ela e no dia da foto fizemos questão de tirar uma apenas dos dois.

Certa vez ficamos sem nos falar por um problema logo sanado. Foi nosso único incidente de percurso.  No Dia da Criança de 1965, ela levou um pirulito para cada aluno da sala. Antes, no dia 12 de agosto, eu arrancara uma parte da persiana, quebrara-a em várias menores e colocara escrito com a chave:

Lembrança do ADN-12.8.65

Distribuí um para cada um daqueles companheiros e pedi-lhes que guardassem até o final de suas vidas, para lembrar nosso convívio naquele ano de angústia e incerteza em relação ao futuro. Naturalmente sou o único que até hoje tem aquele pedaço de metal verde.

Recordava-me inclusive de sua data de aniversário. Lembrava-me de que dias depois do vestibular, uma vez, Zé Aroldo, o Kapa, chegou ao apartamento na Voluntários da Pátria, para irmos almoçar e ao cinema na Tijuca e me contou que ela ficara excedente na Faculdade Nacional de Medicina. Iriam abrir uma faculdade em Manaus, onde ela ia estudar. Nas vésperas de sua partida fui pela última vez à sua casa, despedir-me e desejar boa sorte. Ainda nos correspondemos por algum tempo, até que essa etapa da vida passou...

Claro que sendo a mais amiga, foi a primeira que tentei achar. Sabia que no dia de minha formatura na pós-graduação em alergia da PUC, 15 de dezembro de 1973, eu a encontrara, pois seu marido se formara em gastroenterologia. Não sabia nada além de seu sobrenome de solteira. Não me lembrava nem ao menos qual a sua especialidade e não tinha noção de onde morava.

Certo dia meu cunhado que estudou em Manaus e foi da turma seguinte à da Emília, deu-me o nome de um colega dela que podia ter seu endereço. Procurei por ele e não achei.

Pesquisando na Lista Online, o nome de Maria Emília de Barros, em Manaus, não achei ninguém.

Parti então para a cidade do Rio de Janeiro. Tinha lógica. Quem sabe ela não estaria morando no Rio, já que a última vez em que a vi fora lá?

Havia várias Maria Emília, uma delas, médica obstetra, com o sobrenome de Barros Brandão e com diversos números de telefone em seu nome. Parece que nesse momento algo se clareou em minha mente. O sobrenome do marido era Brandão. Achava que ela tinha feito obstetrícia. Mas ainda havia que confirmar se era ela.

No dia seguinte, de posse dos três números, comecei minhas ligações. O primeiro e o segundo não atenderam. Fui achar a tal Emília Brandão no último. Era ela! Era a minha amiga de 40 anos atrás! Contou-me um pouco da vida, deu-me seu e-mail, disse que vivia curtindo os netos (!) e que já tinha filhos médicos. Acabou por encomendar um exemplar de meu livro. Em nenhum momento mostrou que não se lembrava de mim, felizmente. Falou até sobre São Lourenço. Não tinha mais as fotos, mas lembrou-se perfeitamente de que elas existiram.

A decepção não demorou a vir. A partir daí, não respondeu nenhum e-mail, não foi apanhar o livro nos Correios e ele voltou para mim, dando-me o prejuízo das despesas de envio. Na única ligação que lhe fiz, após a primeira estava fria e distante, parecendo não querer conversar. Senti-me triste e sem entender nada. Talvez tenha sido um caso de ciúmes que o marido sentiu...  

Mesmo assim, resolvi prosseguir na minha busca, pois tinha intenção de fazer um livro sobre aquelas fotos, mostrando o destino de cada um e ia precisar da colaboração de todos, mandando-me a sua autobiografia e respondendo algumas perguntas sobre a vida em geral.

(continua)

 

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