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Opinião
21/06/2013 09h42

Retratos da Vida (parte IV)

Filipe Gannam em mais um capítulo sobre Retratos da Vida.

Isis

É bom que os leitores saibam que estou seguindo a narrativa exatamente na ordem que usei para procurar os colegas.

A terceira foi Isis, seguramente a mais bonita dentre as meninas – em proporção bem menor que hoje – que queriam fazer Medicina e estudavam naquela sala do ADN. Viera do Piauí. Morena, cabelos negros, estatura mediana, meiga, doce e singela. No dia 25 de novembro de 1965, data de seu 20o. aniversário, mandei-lhe um telegrama, o que a deixou feliz. Até que veio o final do curso e nos separamos. 

Seu pai era médico no Rio. Guardei em minhas recordações que era psiquiatra porque certa vez ela chegou à classe pedindo a cada um dos que eram do grupinho para desenharem uma árvore. A análise do desenho serviria para se ver a personalidade da pessoa. Fiz a árvore mais simples possível, como mau desenhista que sempre fui. Vindo a resposta, surpreendi-me, pois não esperava tanto:

– Ele ficou surpreendido com você! Disse que jamais viu uma pessoa de 18 anos tão profunda, tão sincera, tão intelectual e inteligente.

Embora tivesse minhas dúvidas de que um simples desenho pudesse fazer-se chegar a tantas e tão boas conclusões, senti-me feliz.  

Noutro dia, Isis chegou e me disse:

–Tenho pena de você, pois nós somos parecidos. Sofremos pelos mesmos motivos.

Tudo que aquele jovem inexperiente queria era despertar qualquer tipo de sentimento, nem que fosse dó, numa garota tão linda.   

Terminado o cursinho, nunca mais voltei a ter qualquer notícia dela. Não sabia nem ao menos seu sobrenome. No entanto, tive um colega na faculdade, também piauiense, Fernando, que no primeiro ano quis fazer-lhe uma visita por ocasião do aniversário, junto comigo, o que acabou por não se realizar. Então, ele tinha que conhecê-la.

A única esperança de saber algo sobre seu destino era entrar em contato com Fernando. Mandei um e-mail e ele me respondeu assim:

– Isis era filha de um médico, doutor Virmar, talvez Soares que morava no Rio, especialista em cirurgia plástica.

Num domingo à tarde, pesquisei na Lista Online, do Rio, certo de que não o encontraria. Fatalmente, já teria morrido. Quais as chances de uma pessoa de 60 anos ter o pai vivo e na ativa?

Não é que achei ali seu nome e endereço e ainda inscrito como médico?

No entanto – pensei – ele não vai me atender no telefone. Na idade dele, morando no Rio, eu perguntando por sua filha, vai ser complicado. Pensará que é algum plano de sequestro ou coisa que o valha. Coisas dos tempos atuais! Resolvi procurar especificamente pelo nome dela na mesma lista. Achei uma Isis Soares e calculei que podia ser tanto ela quanto uma homônima, já que imaginava que ela fizera Medicina, mas não se inseria ali como médica. 

No dia seguinte, entrei em contato e era a Isis que eu queria. No entanto, ansiava que se lembrasse de mim, mas nem ao menos do nome se recordou, além de não ter os retratos mais. Fui eu quem os enviou posteriormente. Chegou a pensar que eu fosse outro colega de cursinho, Benjamim, que entrou na faculdade comigo. No entanto, foi a pessoa que melhor me recebeu, tornamo-nos amigos virtuais, trocamos mensagens e e-mails quase todos os dias. Isis continua linda, como vejo nas fotos que me mandou. Aliás, pela maneira de ser, por fora e por dentro. Incrível como as pessoas com as quais mais nos identificamos continuam a nos proporcionar os mesmos sentimentos, decorridos tantos anos. Além disso, aguardou ansiosa pelo livro e foi das primeiras a comprá-lo.  

Contou-me também que não tinha vocação para médica e que no ano seguinte optou pela Biblioteconomia. Além disso, estava viúva há algum tempo, sem filhos, depois de um casamento muito feliz. Nem por isso deixou de transmitir a paz e a alegria, até mesmo por seu olhar que se vê nas fotos.

Meditando sobre o porquê de Isis ter sido a que mais voltou a ser minha amiga não tenho dúvidas em concluir que foi exatamente por – desde mais de 40 anos atrás – acharmos que tínhamos algo em comum. Por outro lado, nos momentos em que nos falamos ao telefone, ouço seus desabafos, me lembro de que, naquele tempo, eu sentia que ela era alguém a quem eu devia dar minha proteção e sinto que estou fazendo exatamente isso, passado tanto tempo...

(Revi a querida Isis no final de semana que passou, quando comemorei meus 60 anos e como acontecera com o Amarante, em fatos que ainda serão narrados).

(escrito em 2013: infelizmente acho que ela não gostou de São Lourenço, pois nunca mais quis voltar em nenhuma das festas e mesmo na única ocasião em que veio, abreviou sua estada. Não voltei a vê-la, mas mantemos contato por Internet até hoje)

(continua)

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