Havia um colega de Muriaé, Zé Aroldo, no qual foi posto o apelido de Kapa. Era claro, pouco mais baixo que eu, magro e com cabelos escuros. Desde o princípio me identifiquei muito com ele. De todos os que tiraram aquela foto quarenta anos atrás, foi o que mais frequentou minha casa. Não tinha dúvidas de que se lembraria de muita coisa.
Se existiu entre aqueles, outro que apregoava as virtudes de uma boa amizade e pregava que jamais nos esqueceríamos uns dos outros, também foi ele.
– Filipe – dizia – tenho certeza de que tudo o que temos em comum fará com que jamais nos esqueçamos um do outro. Pode crer em mim! Um dia, você me visitará em minha terra e eu também irei a São Lourenço muitas vezes para vê-lo e nos lembrarmos deste tempo!
Não foi aprovado no primeiro vestibular, mas eu tinha noção de que um ou dois anos depois, entrou na faculdade de Valença.
Era o amigo com quem saía frequentemente para irmos ao cinema, para almoços e para passear. Vez por outra fazíamos confidências. Talvez tenha sido, dentre tantos, aquele com quem convivi mais.
Quando fui me despedir da Emília, lembro-me de que estávamos juntos. Foi uma das últimas vezes em que nos encontramos.
Não sei por que em minha memória ficou algo como se ele e o Amarante tivessem certo interesse em namorá-la.
Não sabia seu sobrenome. Às vezes ia à Lista Online de Muriaé e lia um nome, José Aroldo Gomes. No entanto – pensava – esse não devia ser ele, não está classificado como médico, e, pelo que me lembro o Aroldo dele era com a letra h. E ia deixando, com medo de uma decepção por não encontrá-lo.
Um dia resolvi mandar um e-mail ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, perguntando se havia algum médico com o pré-nome dele inscrito e me disseram que não podiam informar telefone, endereço, ou outra coisa e sugeriram-me que consultasse a Lista Online. Mas, pelo menos me disseram que havia um médico com o nome José Aroldo Gomes, sem citar nem mesmo a cidade.
De novo na Internet, peguei o número de seu telefone em Muriaé.
No dia seguinte, liguei. Era ele!
Dadas todas as explicações, lembrou-se dos retratos, dos quais não tinha nenhuma cópia, e me encarreguei de mandá-las para o e-mail de sua filha, já que ele não navegava pelo mundo virtual.
–Zé Aroldo, e de mim, você não se lembra? Nada? Nem mesmo do nome? Nós saíamos juntos, almoçávamos, conversávamos, íamos ao cinema...
–Sinceramente, não me lembro de você! Filipe? Lembro-me do Amarante, do Simões, do Piauí, da Emília, mas de você, nada! Você é de São Lourenço? Puxa! É longe de Muriaé, hein?
Fiquei sabendo que se formara em Valença mesmo, por volta de 73/74 e que era obstetra. O terceiro dos onze com essa especialidade, até então. Também que tinha um filho fazendo Medicina na mesma escola onde ele fez, alegria que jamais terei, já que meus filhos estão em Juiz de Fora e o prédio de minha adorada faculdade nem mais existe.
Não se interessou pelo livro. Prometeu que sempre teríamos contato, mas ao tentar conversar com ele mais detalhadamente, dias depois, falando de meu projeto de escrever sobre a nossa foto, notei uma frieza e um desinteresse não só dele, mas de toda a família.
Mais uma vez me senti ferido em minha maneira de ser. Como o saudoso e querido Kapa pode ter se esquecido de tantos momentos em que estivemos juntos? Como a memória das pessoas pode ser tão curta? Como a pessoa pode não demonstrar nenhum interesse por um livro onde está escrita uma parte de sua vida?
Ao mesmo tempo procurei pôr mais uma vez em prática uma máxima que busco pensar em momentos que me decepciono com alguém ou com a maneira de ser das pessoas em geral ou mesmo com a vida: a vida e as pessoas são o que elas são e não o que a gente queria que fossem.
Prossegui com minhas pesquisas. Afinal, faltavam apenas quatro e, quem sabe, alguém seria como a doce Isis?
(continua)