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Opinião
08/08/2013 14h28

Retratos da Vida parte XI

O Mentor.

por Fillipe Gannam

Os dias se sucediam e não havia meios de localizar a Carmem Lúcia. Já não via possibilidades de completar meu time e isso me doía cada vez mais. A cada fonte que buscava, sem sucesso, a decepção aumentava. Como achar uma pessoa cujo único dado era o prenome?

Então pensei na vida do mentor da fotografia.

No sexto ano de Medicina fez Dermatologia. Parecia, até então a especialidade definitiva. Mas o tempo mostraria o quanto se enganara.

No começo de 1972 via-se sem dinheiro e sem emprego. Com muita luta conseguiu ingressar na Aeronáutica, indo trabalhar na Base Aérea de Santa Cruz, com um salário ótimo e jamais sonhado. Tinha dois dias de folga por semana e dava um plantão mensal de 24 horas no hospital existente naquela unidade militar. Aproveitou para frequentar o serviço de alergia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, seguindo a opinião de seu mestre de dermatologia, o sempre lembrado José Serruya.

Foi aí que se encantou com a nova especialidade. Via os pacientes satisfeitos com o tratamento e era tudo que queria na profissão.  No final do ano foi convidado pelos professores do serviço a fazer o curso de pós-graduação em 1973, com uma bolsa que era a sexta parte do que ganhava como militar, mas dava para viver. Não hesitou em aceitar e se realizou completamente. Com o tempo arrumou mais dois empregos e era muito mais feliz embora nos três não ganhasse a metade do que recebia no ano anterior. Mas enfim se encontrava na profissão, já que a vida militar não lhe agradara. Jamais achou que dinheiro era a essência ou a mola mestra da vida e sempre deu mais valor ao  ser do que ao ter.

Em 2 de abril de 1974 inaugurou o consultório da saudosa Resende, com muita insegurança, pois ali era um ilustre desconhecido. E lá teve muito mais sucesso do que sonhara. Exatamente um ano depois, a 4 de abril de 1975, abriu o consultório de São Lourenço, o que não fizera logo de início porque achava que sua cidade não estava preparada para receber um especialista. Era ainda o final dos tempos em que médico fazia de tudo um pouco. Permaneceu durante mais dois anos e cinco meses com viagens semanais, com serra, neblina, noite, sem acostamento na estrada. Até que um dia, lembrando-se de que dinheiro nunca fora tudo para ele, abandonou, com dor eterna no coração e para sempre a cidade do sul fluminense. Quando comunicou aos seus colegas, amigos e pacientes de lá, que iria ficar apenas no consultório daqui, houve protestos, tristezas e sugestão para que não fizesse aquilo. Mas nada foi capaz de segurá-lo. Nem mesmo o grande amor que tinha – e tem até hoje – pela cidade e pelos amigos que lá fez. Ao acordar no dia 1 de setembro de 1977 em sua terra e pensar que nunca mais iria embora sentiu grande paz e alegria.    

No dia 8 de dezembro de 1979 casou-se e tiveram dois filhos, um hoje estudando Medicina em Juiz de Fora e outro que faz neste ano o cursinho vestibular para também seguir a carreira do pai. Ele jamais morreria feliz se não tivesse pelo menos um filho médico, mas nunca fez qualquer tipo de pressão. Apenas amou e ama sua profissão e seus filhos sentiram isso desde crianças.

Continuou amando também a História e a Cultura. Continuou amando seus colegas de faculdade, seus amigos e sempre indo à sua procura. Continuou sendo o sui generis que o Joaquim falava, em 1965. Tanto que há um ano resolvera que iria sair à procura de todos os que faziam parte daquela foto e era isso que estava fazendo e prestes a terminar. Por que exatamente ele resolvera ser um detetive e não algum dos outros? Talvez por ser diferente da grande maioria das pessoas, como repetiu, há uns cinco meses, o querido Rapaz de Mesquita.

Ficava imaginando como seriam os escritos se tivesse chamado mais gente para aquela foto. Lembrava-se também dos outros que eram da mesma sala e não fizeram parte. Cinco se tornaram seus colegas de FNM e outros, nunca mais viu, no entanto sabe que não chegaram a ser médicos. Vários nomes vieram-lhe à memória: Tânia, Jorge, Rock, Bernardo (que morou em São Lourenço na infância e então vivia em Nova Iguaçu), Armando, Nicola, Galvão, Benjamim, Lacerda, Paulo César, Maranhão, Carlinhos, Milton, Ubiratan, o Paulista, Carlos Alberto Guimarães, tão rubro-negro quanto ele e tantos outros. Em outros horários e locais do ADN estudavam jovens de São Lourenço, como: Antônio Carlos Gomes, Sérgio Cabizuca, Carlos Eduardo Junqueira Fonseca, Antônio Sérgio Guimarães e Maria Luiza Braga Mendonça.

Completou 60 anos em fevereiro de 2007 e reuniu na comemoração amigos, parentes e colegas de diversas cidades e escolas por que passou. Vários deles não via há 45 ou mais anos.

No entanto, seu serviço não estava acabado. Faltava a Carmem Lúcia. Como iria fazer para encontrá-la? Talvez tenha sido, de todos da foto, a pessoa com quem teve menos contato, com quem menos conversou e por isso não guardara qualquer outra pista... Sentia-se como se estivesse no Maracanã no final de um jogo decisivo do Flamengo que empatava de 1 a 1 com o Vasco da Gama e não podia tomar outro gol para não perder o título. Mas o final do jogo que narrava era imprevisível. Tinha noção de que tudo poderia ficar incompleto mas continuava sua luta enquanto o tempo passava. 

(escrito em 2013, hoje seus dois filhos são médicos formados em Juiz de Fora, um deles será especialista em alergia, imunologia e dermatologia e o outro, provavelmente, cirurgião)                

(continua...)

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