Riobaldo é ateu, mas isso não tem a menor importância.
Pra ele tem.
Na hora de votar, Riobaldo pensa: não interessa a religião do candidato, interessa a sua plataforma política, sua integridade e suas propostas. E que não use sua religião, ou sua não-religião, como bandeira política.
Ok, pensa Riobaldo. Vamos lá. Ele sabe que se um candidato se declarar ateu, não ganha a eleição nem que a vaca tussa ou o Lula esperneie. O cara pode ser tudo, até ladrão, menos ateu. Mas isso não tem a menor importância. Pro Riobaldo tem.
Ok, vamos lá. Marina Silva parece ser a candidata mais independente, desvinculada do ranço político e distanciada dos horripilantes ogros que dominam os currais eleitorais dessa nossa grande e anestesiada nação. Ela é a candidata mais jovem, mais moderna, e está sintonizada com as questões ambientais que ameaçam desandar a maionese do vasto mundão que habitamos.
Certo, pensa Riobaldo. Mas hesita e resiste em votar em Marina. Sabe que ela, numa atitude respeitável, não coloca sua religião como programa político. Ainda assim, embora convicto de que Marina é bem intencionada, ao imaginar uma presidente criacionista, Riobaldo brocha. A candidata mais moderna, criacionista. Êta paradoxo. Riobaldo não consegue imaginar um presidente comprometido com questões ambientais que acredita que o mundo foi “criado” há oito mil anos. Aí já é demais.
Vamos lá, o próximo, José Serra. Riobaldo simpatiza com os tucanos, sempre votou no Mário Covas e sabe que FHC perdeu uma eleição em São Paulo por ter se declarado ateu.
Depois que voltou a crer em deus, FHC virou presidente, estabilizou a economia nacional e ganhou duas vezes do Lula. Riobaldo sabe que deus, embora não exista, gosta do FHC. E acredita que Serra é o candidato mais preparado e liberal, mas acha estranho – ainda que compreensível – que ele se declare de forma tão veemente contra o aborto.
Essa posição, embora prudente e adequada do ponto de vista eleitoral, soa como um contrasenso aos ouvidos de Riobaldo. Tantas mulheres pobres se estrepando a cada ano por abortos malfeitos e vem um sujeito instruído como o Serra – ex e bem avaliado ministro da Saúde – com essa lengalenga hipócrita? Riobaldo fica indignado. Será que Deus, embora não exista, implica com o Serra? Não se sabe. Já o Jereissati, o Alckmin, o Aécio e o DEM…êta oposiçãozinha desunida. E então, pela segunda vez, Riobaldo brocha.
Vamos lá, Dilma Roussef. Riobaldo detesta a ideia de votar num fantoche para presidente. Ainda que seja um fantoche com topete fashion. Alguém que jamais se destacou nacionalmente e ao que se sabe, nunca fez lhufas, de repente vira a candidata preferencial simplesmente por que Lula quer. Riobaldo não se vê a engrossar o coro dos contentes. Acha cafona posicionar-se ao lado do Sarney e do Collor a soprar a vuvuzela dos inocentes úteis. Coisa mais brega. Mas Riobaldo concorda que Dilma, embora disfarce, é notoriamente a mais atéia dos candidatos, embora isso não tenha a menor importância. Para o Riobaldo tem. Dilma se enrola toda quando tem de declarar sua religião, e já se posicionou inequivocamente a favor do aborto em algumas ocasiões, ao afirmar acertadamente que “aborto é questão de saúde pública”. Ora bolas, Riobaldo sabe reconhecer um ateu. E concorda plenamente com Dilma na questão do aborto. Mas no resto… aparelhamento do Estado não faz a cabeça do Riobaldo, um entusiasta da livre iniciativa. Muito menos voto de cabresto ou política assistencialista. Então, pela terceira vez, Riobaldo brocha.
Tá difícil, Riobaldo. Já tentou os nanicos?