Não sei por que, entre meus guardados, existem dois cartões de Natal que deveria ter enviado, no final de 1958, para D. Diva e D. Maria Helena. Parece que a D. Geny tinha se transferido para BH, onde morreu anos atrás, e eu não tinha o endereço.
Mas, mesmo tendo escrito nos envelopes para as outras duas, estão comigo até hoje. Será que elas gostariam de recebê-los agora? Em todo o caso, Boas Festas e Feliz 1959, D. Diva e D. Maria Helena!!! Com mais de cinquenta anos de atraso!
Costumava brigar sempre com um colega, na saída das aulas. Chegando o final do ano, seu pai avisou-lhe que, caso levasse bomba, passaria os três meses das férias, fechado dentro de casa. Pior: vestido de mulher já que para ele, homem não levava bomba. Além disto, convidaria, um a um, a todos os alunos a visitá-lo.
E assim foi feito. O pobre menino, com a bomba prevista nas costas e o castigo aplicado, foi visto por todos. Fiquei completamente traumatizado. Posteriormente, sua família transferiu-se para o sul do estado do Rio e nunca mais soube dele.
Mas, se por acaso, ele tiver sido um homossexual na continuação da vida, será que aquele pai tão compreensivo sentiu complexo de culpa ou obrigou-o a vestir-se de homem, como vingança? Santa ignorância!!!
Aconteceram alguns outros fatos naquela escola que me marcaram. Um deles foi quando as chuvas vieram com muita intensidade.
Havia tantas goteiras nas salas de aula que ficamos sem frequentá-las por um bom tempo. Naturalmente, deve ter me agradado bastante. Outro dia, foi aquele muro da frente que desabou inteirinho e fomos dispensados até que tivéssemos condições de voltar...
Dezoito anos depois, adquiri o apartamento da Rua Melo Viana ao lado da casa da D. Maria Helena, que um dia, pediu-me que bagunçasse menos suas aulas.
Era o ano de 1975. Meses depois, em julho de 1976, transferi meu consultório da Rua Quinze para lá, ficando até novembro de 1997. Ali vivi os anos dourados de minha juventude e mocidade como médico.
Um dia roubaram a placa de acrílico que estava na parede externa com meus dados. Não sei qual o prazer que alguém podia encontrar em fazer isto.
Eu gostava muito daquele local até mesmo por saber que um dia, meu avô paterno, que não cheguei a conhecer, estivera no prédio.
Lá, em alguma época funcionara o antigo INPS. Ao voltar para casa, comentou com minha tia, Suraia, que havia conhecido uma funcionária muito simpática e educada, de nome Gercina. Elas acabaram se tornando amigas, tempos depois.
Em muitos momentos, fiz daquele local um confessionário. Ajudava e orientava casais desajustados, jovens viciados em drogas e com outros tipos de dramas, pessoas que não se entendiam e não se encontravam.
Tudo fora do expediente de consultas e sem interesse pecuniário. Ali, além de alergista, fui o psicoterapeuta que sempre quisera. Senti, muitas vezes, o espírito de Deus baixando para me ajudar a orientar pessoas tão sofredoras.
Noventa por cento das recordações que me deixou, foram de acontecimentos positivos, de sucesso profissional e de realização ao praticar tais atos. Alguns jovens que depois se tornaram amigos para sempre, chegaram a confessar que no princípio de nossas conversas imaginavam que a qualquer momento eu fosse cantá-los.
Mentes deturpadas, pelo menos a princípio, não podiam entender que existia alguém que queria apenas seu bem e ajudá-los.