O episódio que procuro expor, ocorreu, quando Luiz Ayres, meu saudoso pai, percorria a região da zona da mata mineira.
“Havia um senhor, artesão em derivados de couro, estabelecido em Ubá, mestre na confecção de botinas e sandálias, de origem espanhola de nome Eládio, que com certa dificuldade em período espaçado, fazia sua praça a percorrer a zona da mata em negociar seus produtos, onde incluíam-se também outros como: cintos, arreios e selas de montaria. Luiz na oportunidade o procurou, no intuito de adquirir alguns arreios à sua tropa de burros, - utilizada nas longas caminhadas pelo interior mineiro transportando suas pesadas canastras com os mostruários - visto que já se fazia necessário algumas trocas. Em conversa com Luiz, o espanhol lamentava que seu trabalho estava indo de mal a pior, pois a freguesia escasseava-se e estava sem saber como se erguer. Luiz um tanto penalizado, lhe fez uma proposta, indagando se não gostaria de acompanha-lo pelo interior do sul de Minas, em que o apresentaria aos seus fregueses e amigos, no que ficou de responder ao vir pegar seus arreios
Quinze dias depois ao desembarcar em Barra do Piraí, lá estava à plataforma da estação, Eládio com duas grandes sacolas de lona, que auxiliado por Luiz foram colocadas juntamente com as suas canastras de mostruários no vagão de cargas com destino a Cruzeiro, SP, onde fariam a baldeação rumo a Lavras ponto de partida à jornada.
A viagem em si, embora cansativa e estafante, foi um sucesso que o espanhol não tinha satisfações a medir em agradecer a Luiz, a ponto de fazer questão de pagar os pernoites nos hotéis, no que Luiz não concordava, mas dada a insistência de Eládio, por muito custo aceitou. Afinal reconhecia que aquela tarefa vinha de encontro com a concorrência industrializada e a participação de Luiz fora sobremaneira importante, pois a partir de então teve a expansão do negócio com ampliação do artesanato na contratação de empregados, tal a projeção que aconteceu. Com o rumo que a coisa evoluiu, Eládio ofereceu a Luiz em ser seu representante, já que não teria como viajar a deixar o negócio à mão de estranhos e foi mais além, dividiria os lucros das vendas irmãmente. Um tanto constrangido, Luiz acabou aceitando, embora não concordasse, pois seu intuito foi apenas ajudar um artesão a sair de uma situação de penúria a erguê-lo profissionalmente.
Assim foi mais de um ano e meio nesta união, inclusive com Luiz mandando confeccionar uma logomarca a ser aplicadas aos produtos: “EL” no que posteriormente sem que soubesse foi ampliada para: “ELLA ” em recrudescimento a amizade deles.
Luiz com mais esta inclusão de negócios em sua vida de caixeiro viajante, como representante da Fábrica de tecidos Bangú, passou a ser conhecido como o “homem dos sete negócios” enquanto permaneceu a rodar sobre os trilhos das ferrovias, onde teve a honra de fazer dezenas de amigos e ser considerado às estações férreas, membro vitalício da saudosa família ferroviária, cujo título em muito o envaidecia.
Anos se passaram, quando numa manhã ao bebericar seu cafezinho numa famosa cafeteria no centro do Rio de Janeiro, cujo proprietário seu amigo de jornadas ferroviárias pelo sul de Minas, Ondino, ex dono de uma torrefação de nome Café Camões, é tocado ao ombro, e lá estava o espanhol Eládio que o abraça depois de 30 anos. Só que agora um industrial de calçados para exportação cuja fábrica se localizada em Friburgo, RJ, onde juntamente com meu pai tive a oportunidade em visita-la na década de 1980... Causou-me surpresa, ao ver à parede da sala de Eládio, uma menção muito bonita a meu pai...”