Antes de adentramos no mérito, advertimos que este texto tem como escopo apenas analisar, longe da ótica midiática, o julgamento da Ação Penal nº. 470, registrando também, que somos, categoricamente, favoráveis à punição severa e exemplar de qualquer cidadão que, comprovadamente, praticou malversação de recurso público.
Segundo a grande imprensa esse julgamento entra para história como o mais importante da Suprema Corte do Brasil. E realmente assiste razão essa afirmativa. Porém, no nosso modesto entendimento, essa decisão ficará marcada não pelas exemplares condenações, mas sim, pela forma como elas aconteceram, pois, o que vimos foi um julgamento político, cercado de sofreguidão de revide e juridicamente muito discutível, para não dizer temeroso ao estado de direito.
Em relação aos aspectos políticos, não há como negar que esse julgamento teve um viés ideológico e com “coincidências” espantosas. Uma delas, e talvez a mais gritante, foi o julgamento coincidir, cronometricamente, com as eleições municipais.
Outro momento político/ideológico foi o fato de que pela primeira vez a TV brasileira transmite, ao vivo e na íntegra, um julgamento do STF. E foi sob esses holofotes midiáticos que alguns Ministros, sem qualquer constrangimento, escancaram seus posicionamentos políticos, fazendo daquela Corte um palanque televisivo para propagar seus raivosos discursos contra o ex-presidente Lula e os governos trabalhistas.
Aliás, comentado essa postura ideologizada dos Ministros, e com o costumeiro brilhantismo, o teólogo, Leonardo Boff escreveu: “...a ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao planalto. Seu destino e condenação é a planície. No planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros, mas nunca como Presidente...Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a senzala sempre submissa e silenciosa...”
Já com referência à aplicação do direito, há uma infinidade de questionamentos jurídicos que nos levam às deduções perigosas sobre o casuísmo e a elasticidade dadas na aplicação dos tipos penais, das teses, inclusive, na mudança de históricas jurisprudências da Suprema Corte.
Evidente que não vamos aprofundar nas discussões sobre os votos dos Ministros. Primeiro, porque demandaria muito tempo e espaço, e segundo, porque não possuímos condições intelectuais para tal enfrentamento. Por essa razão, vamos pontuar apenas os principais questionamentos levantados por renomados juristas pátrios.
O primeiro embate, e que demonstra que o julgamento do “mensalão” suscita desconfiança, foi à perigosa declaração do Procurador-Geral da República – o mesmo que está sendo acusado de prevaricar - de que provas “tênue” são suficientes para se denunciar e condenar réus em processos do calibre do “mensalão”. Trocando em miúdos, ele afirma que não necessita de provas robustas para se condenar alguém, em especial, os réus desse Processo. Somado a isso, o Procurador e a maioria dos Ministros consideraram muito mais as provas testemunhais prestadas na CPI do que aqueles prestados em juízo, onde se dá o contraditório, fato que, em tese, reputamos um atentado à Carta Magna.
Não satisfeito, o Procurador por mais uma vez inovou criando uma nova tipificação penal: a “organização criminosa”. Evidente que essa popularesca expressão, utilizada 55 vezes na denúncia, foi empregada como artifício alegórico e teve o condão de espetacularizar o julgamento, fato que resultou numa merecida e dura advertência do Ministro Revisor, Ricardo Lewandowski. Aliás, vale lembrar, que Lewandowski, dentre os demais Ministros do STF é o único que atuou em Varas Criminais, o que explica a sua exigência e os seus fundamentados votos.
Agregado a essas aberrações jurídicas, reconhecidos juristas levantaram outros pontos controvertidos, notadamente, com relação ao alargamento das interpretações dadas pelos Ministros sobre alguns tipos e teorias penais, como por exemplo, a “Conduta típica”, a “Formação de Quadrilha”, a “Teoria do Domínio do Fato”, o “Ato de Ofício”, o “Foro Privilegiado” e até mesmo o consagrado princípio, in dubio pro reo, que se transformou no “in dúbio pau no réu”. E o mais grave: todos esses alargamentos em prejuízo aos réus, especialmente, àqueles que compunham o chamado núcleo político. Mas isso não bastasse, está muito claro a falta de uma metodologia objetiva para aplicação das penas, fato que está causando uma verdadeira guerra entre os Ministros.
Diante de tudo isso, e lamentavelmente, só nos resta admitir que assiste razão ao Juiz Robert Jackson, da Corte Suprema dos EUA quando afirmou que “...certos julgamentos não passam de uma cerimônia legal para averbar um veredicto já ditado pela imprensa e pela opinião pública que ela gerou”. Viva o Brasil..!