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Opinião
07/07/2016 17h24

Trem Caipira, o Adeus de Adolpho

Por José Luiz Ayres

Adolpho, um simpático comerciante que Luiz, meu pai, fez contato quando ingressou na fabrica de tecidos Bangu e que por recomendações de vários operários teve seu bar-restaurante como o melhor de Bangu – bairro do Rio de Janeiro na zona oeste – em matéria de ótima degustação, acabaram se tornando grandes amigos, a ponto de Luiz durante suas viagens como caixeiro viajante trazer algumas encomendas como: queijos, manteigas, doces diversos entre as mais solicitadas, objetivando a melhor qualidade ao seu cardápio já bem apreciado.

Só que Adolpho além de renomado comerciante, tinha como “hobby” o piano, onde quase todo fim de semana costumava exercer sua arte musical nos famosos cabarés da Lapa; famoso reduto boêmio do Rio de Janeiro. Inclusive Luiz várias vezes teve o prazer em assisti-lo e levá-lo a se apresentar em inúmeras cidades mineiras, cujas apresentações tornaram-se um grande sucesso a fazê-lo retornar a outros recitais eruditos e populares, tal a repercussão causada positivamente entre os contratantes por ter suas casas de espetáculos com lotação esgotada. Assim foram anos seguidos sua odisséia musical, com a fama de grande pianista sendo espalhada pelo sul de Minas. Seu negócio em Bangu, embora continuasse próspero e bem conceituado, pois tinha o apoio de sua mulher e do irmão que mantiveram o leme sempre firme, durante às ausências de Adolpho; que por vezes desolado, sentia à falta do convívio da família e da sua freguesia do cotidiano banguense, no que pese o sucesso que passou a desfrutar como pianista.

Luiz o acompanhando sempre fazia suas honras como empresário nos contatos iniciais à apresentação, durante suas viagens de caixeiro viajante a agendar esses encontros, cuja articulação chegava a bom termo na marcação de eventos.

Certa ocasião, depois de assisti-lo à cidade de Barbacena, MG, Luiz regressou ao Rio de Janeiro a executar seus compromissos profissionais junto a fábrica e óbvio, trazer notícias e alguns produtos a ser entregue ao restaurante. Dias depois antes de embarcar a Alfenas, foi ao encontro de Adolpho, vez que segundo constava após três dias em Barbacena, retornaria a Bangu onde ficaria a descansar e rever amigos.

Mas para surpresa de Luiz, não havia chegado da turnê. Estranhando a ausência do amigo, seguiu à estação da Central do Brasil objetivando o embarque no expresso mineiro, seguindo no trem urbano até a Central. Ao deixar o trem, caminhou à plataforma direcionada ao embarque das composições interestaduais, num relance observava sentado num banco, um cidadão em cuja cabeça mantinha um chapéu preto e tendo ao lado apoiado alguns embrulhos e a mala, cujo físico se assemelhava com Adolpho. De olhos fixos ao homem, à medida que se aproximava mais se convencia ser o pianista. Por fim juntos, constatou se tratar do amigo. Chamando-o, o indaga o que fazia ali sentado. Erguendo a cabeça estendeu-lhe o braço e falou: - Luiz foi Deus que o conduziu a mim, pois necessito de ajuda. Pois estou sob cegueira total há horas, desde que deixei o expresso e caminhei pela plataforma com plena visão, quando as vistas começaram a turvar gradativamente em cada olho até ficarem totalmente às escuras, onde tive a sorte de ainda ver este banco onde me acomodei e aqui permaneço sob escuridão.

Luiz perplexo e extremamente penalizado, o ergueu do banco a conduzir seus pertences e caminharam até o posto médico da estação, onde foi submetido a um exame preliminar. Lamentavelmente foi constatado derrame irreversível nas retinas provocado por possível glaucoma e que fosse encaminhado a um especialista imediatamente.

Num automóvel de aluguel seguiram a Bangu, com Adolpho atribuindo a cegueira às fagulhas da chaminé das locomotivas, pois já vinha sentindo há dois dias algo de estranho e tendo nesta viagem de Barbacena muita ardência nos olhos.
Infelizmente, consultado um oftalmologista, o diagnóstico foi confirmado; glaucoma!

Passado alguns meses, Adolpho já conformado, numa das visitas do amigo Luiz, pede que quer retornar com sua arte a se apresentar novamente, pois a deficiência visual não o deixaria inútil. Retornou a Lapa e as viagens a Minas, onde se manteve em atividade ainda por muito tempo brindando seu público com as salas lotadas e temporadas extensas e expressivas. Só que agora com apoio de sua admirável mulher a acompanhá-lo nas turnês.

Adolpho foi o exemplo de superação e teve nos trens; além da bengala branca, seu parceiro de trabalho, e seu guia até deixar esta vida em 1968, quando sobre seu piano exercitava-se a tocar de Vila Lobo o famoso e eterno “O trenzinho caipira”, aos 58 anos, de acordo como revelou sua mulher, que o ouvia tocar à sala de sua casa.

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