Gosto.....desgosto.....carta.....convite.....casamento.
Com tamanha quantidade de urubus em nossa cidade, valiam aquelas brincadeiras, ao contarmos quantos havia nos telhados. Uma quantidade enorme!
Naquela parte da cidade onde é o Parque II, havia eucaliptos nos quais eles gostavam de ficar.
Hoje, as crianças mal sabem o que é um urubu, ou talvez achem que é apenas o símbolo do time da Gávea, pelo qual torce a maioria delas .
Ah! Flamengo, Flamengo de minha paixão desde que me entendo por gente. Até hoje, com 66 anos, não deixei de ser aquela criança apaixonada pelo time, embora mais realista.
Lembro-me alguma coisa do tricampeonato de 53/54/55. Depois, dou um pulo até o supercampeonato de 58 onde, ao empatarmos com o Vasco, de 1 a 1, terminamos como vice.
Até esta época, nenhuma paixão.
Em 1959, ao passar um ano estudando no Ginásio São Lourenço, ouvia diversos colegas de classe falando no seu Flamengo: Mandinho, Gastão, Lelei, Eitor e outros.
Existiam naquele tempo uns papéis-cartão denominados “cheira-bom”, com propaganda de algum perfume. Certa vez peguei um deles de dentro de algum livro e, não agüentando mais ouvir falar em Flamengo, arrumei um lápis e pedi ao bom colega Antônio Gastão Nogueira que me ditasse o time todo e fui escrevendo naquele papel perfumado:
Fernando, Joubert, Copolillo, Jadir, Dequinha (Carlinhos) e Jordan. Luís Carlos, Moacir, Henrique, Dida e Babá. Os times eram formados no 1-2-3-5, diferente dos dias atuais. Dequinha andava machucado e Carlinhos, nosso ex-técnico, estava começando a entrar no time principal.
Desde este dia, começou minha paixão pelo time da Gávea. Aí, tornei-me para sempre, um rubronegro.
Quando Dida fraturou a costela em 1960, sofri muito. Não admitia ver nosso grande craque sem jogar durante algum tempo. Que falta nos faria!
Em 1963 num empate de 0 a 0 com o Fluminense em que nosso goleiro Marcial foi uma verdadeira barreira para o ataque tricolor, conquistei meu primeiro título como torcedor.
Não quis ficar em casa escutando o jogo e fui para o Bar Americana, ouvir no alto-falante, ao lado de meu amigo Geraldinho, também flamenguista e que era o sorveteiro de lá. Encerrado o jogo, não tinha o que gritar e resolvi sair gritando:
−Gol! Gol! Gol!......”
Arlindo Negreiros, vinha descendo a Wenceslau e perguntou-me se tinha havido algum gol, talvez pensando numa prorrogação inesperada, uma vez que ouvira o jogo, torcendo pelo Flamengo até o final e não escutara gol algum. Quando dei minhas explicações, sorriu-me satisfeito.
Desde então foram muitos títulos, cariocas, brasileiros, sul americano e mundial.
Muito mais alegrias do que as tristezas. Centenas de jogos assistidos, principalmente nos tempos em que estudava no Rio. Milhares de emoções. Mas os anos mudam as pessoas. No último título a que assisti, ao vivo em 1986, quando vencemos o Vasco por 2 a 0, embora contente, não pulava e não vibrava mais, como nos velhos tempos de juventude. Isto valeu até um comentário de minha esposa, naquela tarde de domingo no Maracanã, vibrando de alegria, junto comigo:
−Pula, bem, grita, foi gol do Flamengo, você não vai gritar?
“Nos últimos títulos conquistados diante do eterno rival cruzmaltino ou de outros times, vibrei como nunca. A vibração e o amor não terminaram. Às vezes, tiram férias, sobrecarregados por outros problemas que nos impedem de curtir mais uma alegria. Mas, na maioria das decisões, vou ao cinema ou saio de casa. Não quero que minha pressão sofra mais ainda, ao torcer para que nosso goleiro defenda todos os chutes e que todos os chutes do Flamengo encontrem o caminho do gol adversário.
Sinto-me gratificado hoje, quando vejo meus filhos torcendo pelo Flamengo, sem nenhuma pressão. Apenas mirando-se no meu exemplo. Nunca ao menos sugeri que eles torcessem pelo meu time, somente torci. Quando penso na hipótese de torcer para um outro time, a única coisa que vem-me à mente é que, se fosse pela felicidade deles, mudaria de time, para torcer pelo deles. Felizmente, estamos do mesmo lado e não vou correr este risco.
O velho e fanático Filipe, surpreendentemente, quando vai ao Rio e há algum jogo do seu time, já não sente mais ânimo e disposição para ir vê-lo. Aquele que comparecia a todos os jogos, durante alguns anos de Cidade Maravilhosa, cansou.
Só uma vez quando foi solicitado pelos filhos, há uns dez anos ou mais, que os levasse para assistir um Fla Flu, lá esteve. Agora, só Deus sabe se haverá volta...
Hoje, agradeço a Deus por ter convivido com tanta gente que me ajudou, um dia, a apaixonar-me pelo Flamengo, como Gastão, Belenzão, Talúcio, Geraldinho e José Natal. Quando olho para a bandeira do Flamengo que vai ser colocada sobre o meu caixão e que já está arrumadinha, junto com a roupa de árabe e com a bandeira do Líbano, sinto que a morte vai ser menos doída, se eu me for, acompanhado destes símbolos...
Além disto, no Céu, conversarei outra vez com estes saudosos amigos, que acabaram me deixando órfão de conversas de futebol, ao me precederem na viagem de volta...
(Quando o eterno presidente do Corinthians, Vicente Mateus, faleceu há uns anos , foram entrevistar sua esposa e, ao perguntarem se ele amou mais o timão ou a ela mesma, sua resposta foi a seguinte:
−Claro que amou mais o Corinthians, mas eu me sinto satisfeita de estar colocada imediatamente depois.
Às vezes fico pensando em qual seria a resposta de minha esposa se entrevistada sobre o tema, no dia de minha morte...)